Capítulo Trinta e Nove

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A rua estava movimentada e eu só conseguia ficar parado. Sei que há seis pessoas atrás de mim, são as mesmas pessoas que vieram comigo da casa de Isaac no carro. Viemos no apertado, viemos correndo ultrapassando os limites de velocidade e acabamos quase batendo uma vez. Mas em nenhuma dessas vezes eu consegui pensar coisas como "isso é um perigo", porque o perigo já não tinha muito sentido para mim no estado de estupor que eu estava; paralisado no banco da frente enquanto todos se apertavam no banco de trás em silêncio. Acho que isso foi o pior, passar do silêncio do carro para as vozes cochichadas da rua onde moro. Procuro minha mãe com os olhos, mas ainda é difícil ter pensamentos e ações coerentes por causa do álcool.

Dou o primeiro passo para frente e fico zonzo. Me apoio na pessoa que se jogou para me segurar. Isaac. Ele é alto e por incrível que pareça, está mais sóbrio do que todos nós; ele deve ter bebido muito para que não o afetasse no futuro. Quem sabe um dia eu tente ser assim, penso e rio.

Nos aproximamos da nossa casa; as pessoas estão concentradas ali e quando me veem, abrem-se como Jesus abrindo o Mar Vermelho. Isso faz sentindo? Encontro minha mãe aos prantos e meio borrada. Pisco diversas vezes e sinto uma coceira na cabeça por perceber que todos estão olhando para mim, como nos pesadelos.

Isso é um pesadelo. Sim, acho que é.

—Eric! —Mãe? Porque você está gritando?

—Oi! —Agora eu estou gritando.

—Minha nossa —sinto as mãos geladas dela no meu rosto, estão tão geladas que me afasto —, você bebeu, Eric? Bebeu?

Constrangido, assinto. Sinto o corpo de Isaac movendo-se de um lado para o outro e acho que ele está tentando explicar alguma coisa que com certeza minha mãe não quer ouvir, ela está gritando de novo e se antes eu tinha duvida de que as pessoas estavam olhando para mim, agora tenho certeza.

Minha garganta fecha-se como portões de todos os lados e sinto a bebida revirando no meu estômago. Abro minha boca. E paro. Congelado, observo paramédicos que mais parecem fantasmas carregarem alguém numa maca para dentro da ambulância que emite luzes vermelhas para todos os lados e deixa o rosto de todo mundo fantasmagórico e sabe o que é mais assustador? Eu sei que está lá, porque lembrei do que aconteceu há pouco tempo no carro. Não fomos em total silêncio, André tentou explicar o que minha mãe me disse, ou era para ter me dito:

Aconteceu, então, aconteceu, aliás, eu, Robson, carro, vovô.

É assim que me lembro. Só disso.

Mas é fácil ligar as coisas mesmo com a visão embaçada, mesmo zonzo e sendo carregado. Meu estômago dá mais voltas do que o aconselhado e tento me livrar de Isaac, mas ele me segura com força com medo que eu vá desmaiar ou fazer uma besteira. —Nesse estado, impossível.

—Eu não acredito nisso Eric, como você pode ser tão irresponsável? Eu estava... Estava... —Voz chorosa. Voz de decepção. Não consigo engolir tudo que estou querendo dizer, mas também não consigo botar para fora. Tudo fica num vai e vem: eu, as palavras, os gritos.

Quando finalmente consigo me soltar eu corro para longe e me ajoelho na rua e coloco toda a cerveja, vinho, água e comida que ingeri nas últimas horas. Tive espasmos dolorosos que me fizeram arquear as costas e tossir enquanto ainda vomitava, meu estômago deu um nó. Estava ardendo como o inferno, estava doendo mais do que qualquer coisa.

—Estou aqui. —A voz dele.

—Está doendo.

—Coloca tudo para fora.

Não consigo! Não consigo porque o que está me machucando não quer sair de mim, ele está me contaminando, está doendo cada vez mais.

Cuspo algumas vezes e me jogo para trás já sabendo que ele estaria ali para segurar meus ombros, só não achei que Otávio teria coragem de usar a própria camisa para limpar a minha boca.

As lágrimas surgiram e inundaram meu rosto quando o efeito de adrenalina passou consideravelmente. Ainda sinto minhas pernas inúteis, ainda sinto meu estômago no pior estado. Dor, dor, dor. Não consigo expulsá-la mesmo que eu grite, mesmo que eu esteja chorando e implorando.

—Eric... Sinto muito...

—Eu não queria... Se eu tivesse...

—Você não tinha como adivinhar, amor, não tinha. —Ele passou seus dedos no meu rosto e limpou minhas lágrimas, para fazer algum tipo de carinho no meu cabelo depois.

A única coisa que sei é que fechei os olhos com força e desejei não acordar nunca mais.

Nos Vemos à Meia-noite (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora