Capítulo Oito

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Tive aula com a professora Raíssa.

Ela havia me perguntado qual o livro que estava em cima da minha mesa, quando lhe respondi foi impossível não me arrepiar de novo ao lembrar da voz de Otávio. Por algum motivo estou com raiva dele, não uma raiva absurda e possessa, só... chateado por saber que ele trocou de lugar com o garoto que sentava atrás de mim para que pudesse sussurrar a frase no meu ouvido, deixando que dezena de alunos vissem isso. Nada passava despercebido em uma sala cheia de adolescentes. Nada.

Continuei fazendo minha atividade, passei as seis aulas, fiz os cálculos e tudo isso sabendo que o barulho que vinha detrás era o pé dele calçado batendo no chão, a perna balançando, às vezes sussurrando números, às vezes sentia que ele me observava. Li na Internet que mesmo dormindo seu cérebro sabe quando alguém está encarando você, a sensação te veste. Não devia acreditar em tudo que leio, algumas coisas sei que são ridículas demais, mas é bom ter algo inusitado para acreditar de vez em quando.

Arrisquei-me a olhar para trás uma única vez. Não para Otávio. Mas para o Grupo de Otávio. Eles passavam a maior parte das aulas rindo, trocando ideias entre si e com os professores. Parece que souberam que eu iria olha-los, pois me olharam de volta. Todos de uma vez. Bizarro.

Respire fundo, muito fundo. As aulas já estão acabando.

— Você está legal? — Otávio indaga.

Encaro a parede.

— Sim.

No final de todas as aulas, Olivia veio mesmo falar comigo.

— Você queria falar comigo? É Eric, não é?

Assinto. Passamos pelo menos dez segundos em silêncio, parados enquanto um mar de alunos passava por nós, nos olhando. O Grupo de Otávio ainda estava lá dentro, quando sai da sala ele havia me pedido para espera-lo. "Vamos buscar os meninos juntos?" Cadê ele para acabar com a palhaçada que começou?

— E então? — A voz dela estava impaciente. Acho que ela estava pensando que tudo isso não passava de uma brincadeira com sua cara. Eu também não estou à vontade.

— Eu... — minha garganta coça, está ansiando para ter algo a dizer. — Só ia perguntar se... Você... Fez algumas atividades? Português? Você sempre senta na frente então pensei poder pegar com você.

— Quer tirar uma foto do meu caderno?

Assinto. De novo.

Tiro a foto mesmo sendo inútil; copiei tudo mesmo antes de sair da sala.

Quando em viro, após acenar um tchau para Olivia — que franziu o cenho como se eu fosse um idiota — vi que Otávio estava atrás de mim de braços cruzados e um sorriso divertido no rosto. Só faltava ele me perguntar se havia me mijado novamente.

Caminhei naquela direção, mas com intenção nenhuma de falar com ele. Pude dar apenas alguns passos para aumentar nossa distância quando ele a quebrou outra vez ficando ao meu lado, querendo sincronizar nossos passos.

— Você falou com ela!

Cale a boca, era o que eu queria dizer.

— Eric — Otávio pôs a mão no meu ombro, me forçando a parar de andar. Por sorte não havia ninguém atrás de nós ainda —, você...

— Você era o dono do livro? — Mudo logo o assunto. Não quero que ele me diga mais nada.

A raiva continua aqui, posso sentir como um cachorro que late para o portão solitário quando ouviu passos do outro lado. Demorou exatamente doze passos para que ele me respondesse.

— Sim. O.M. são iniciais para Otávio Mercúrio. Euzinho.

— Você tem o nome de um planeta.

Isso o fez rir. Certo, admito, eu também ri.

— É. Tenho. Foi ideia do meu pai.

— Legal.

Mais quinze passos em completo silêncio. Não sei por que conto os passos. Talvez eu sabia... talvez para não ter que olhar para ele, porque quando olho sinto o mesmo incômodo que senti na sala de aula, aquele frio irritante e... a raiva diminuía. Bom, pelo menos meu pai tinha razão em algo.

Você não pode pensar na mesma coisa para sempre, porque vai começar a se esquecer dos detalhes.

— Quais as chances, digo, de você comprar o livro que eu tinha? Surreal. Ei, você lê minhas marcações?

Assinto meio encabulado. Eu lia as marcações, os rabiscos e tentava encaixar em algum roteiro na minha cabeça. Era algo pessoal de outra pessoa virando algo pessoal para mim.

— Qual a sua preferida?

— Eu... Não tenho. Acho.

— Tem que ter! Pense aí com esse seu cabeção.

Eu tinha uma resposta na ponta da língua. Mas preferi colocá-la goela abaixo de novo, não seria ridículo se eu lhe falasse que minhas partes preferidas eram quando um poema entre as personagens e ele rascunhava algo pessoal?

— Você o comprou quando?

— No primeiro dia. Eu... Faltei.

Sua sobrancelha arqueia-se em concordância. Será que ele percebe que faz isso?

Atravessamos uma faixa de pedestres. Só mais alguns passos e estaríamos em frente ao prédio que é a escola de Ian. Algo borbulhou na minha cabeça e não quis, pela primeira vez com um colega, deixar a conversa morrer.

— Porque você trocava a letra a, pelo o?

— Ah, isso... Li o livro quando ainda estava em um relacionamento. Na verdade o livro foi um presente dele.

Eu sabia.

Suspeitava. Mas conta de qualquer forma.

— Ele? — Pergunto fingindo desinteresse; fiz isso enquanto chutava uma pedrinha que estava no caminho, ela quicou três vezes.

— É.

Depois disso a quietude venceu e não houve nada que eu pudesse ter feito.

Chegamos à escola dos meninos. Felipe saiu primeiro. Ian estava caminhando com uma menina de cabelos grandes e marrons, os dois riam e se despediram com um aceno como eu e Olivia, a única diferença é que Ian foi retribuído com um aceno.

Esperei que ele chegasse até mim e perguntei como havia sido a aula.

— Normal. — Ele deu de ombros e apontou para a garota — Ela me emprestou um lápis e aí a gente começou a conversar e aí... Sei lá, só isso.

— Então você não sabe o que aconteceu nas aulas?

— Só um pouco.

— Espero que o suficiente para fazer sozinho seu dever de casa.

Ian fingiu não escutar e começou a correr. Felipe foi junto.

— O irmão de Felipe.

Iria falar que não havia falado nada de mais com Pedro, o que é uma pura verdade, e o fato de ele ter me levado à sala foi totalmente aleatório e em minha opinião, desnecessário.

Então notei que Otávio não queria saber disso, ele só estava afirmando que Pedro estava vindo à nossa direção.

Pedro estava no carro. Vi seu rosto pelo para-brisa, ele sorria. Quando buzinou para nós, Felipe pulou de alegria e falava aos quatro ventos:

— Olha! É o meu irmão ali!

Olho para Otávio.

— Porque você vem buscar Felipe e não o irmão dele?

— Porque Pedro trabalha à tarde. Os pais dele me pagam cinquenta reais por mês para deixar Felipe na escola e buscar.

— Ei! Vamos!

Otávio e eu andamos até o carro. Ian e Felipe já tinham se acomodado no banco de trás e posto os cintos. Ao entrarmos — Otávio no banco do carona e eu atrás com os meninos — Pedro nos disse um oi e acelerou de repente, fazendo as crianças gritarem de excitação.

Deixei que Ian entrasse primeiro.

Otávio se apoiou na parede.

— Você quer água? — Perguntei.

— Não, estou de boa. E você?

— Eu o quê?

— Ficou estranho depois que contei sobre... Meu relacionamento.

— Não fiquei... Estranho. Só não sabia o que falar. O que queria que eu falasse?

— Que tal... Você é gay?

Suspiro. Olho pela fresta da porta e vi que Robson estava no quarto com Ian, devia estar ajudando a tirar os sapatos ou fazendo perguntas tolas. Ou falando coisas tolas, ele só sabia fazer isso.

— Você é gay? — Sussurro e fico surpreso o quão rápido fiz isso.

— Não. Mas foi bom você ter perguntado.

— Idiota. — murmuro — Vou entrar.

Escuto a risada abafada dele quando fecho a porta.

Nos Vemos à Meia-noite (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora