Capítulo Dezoito

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— Eu tinha te pedido uma coisa. Uma única coisa. E mesmo assim você não fez.

Olho para Robson. O que é um erro considerando que toda vez que quero olhá-lo, quero rir logo em seguida. Tem um curativo na sua testa como Ian tem um no joelho, e o lábio superior está inchado levemente. Olho roxo e para completar, a aparência dele piorou após uma noite mal dormida por causa das dores. Resolvo ficar calado desta vez. Olho para minha mãe e capto a mensagem que está em seus olhos: o que você tem?

Faz dois dias que não falo direito com eles. Faz setenta e duas horas que minhas falas tinham se resumido a sim, não, talvez, que seja e claro pode ser. Minha mãe não gostava que eu ficasse assim; por isso eu estava assim.

— Estou falando com você, Eric.

— Deixe ele. Trate de comer. — Minha mãe toma a frente.

Troco um olhar com meu avô, ele tenta falar alguma coisa, mas abaixei a cabeça no mesmo momento.

O café tomou um gosto ruim na minha boca. Levanto-me da mesa e pesco minha mochila no sofá e ando em direção à porta. Gostaria de ter que pensar sobre como seria agora com essa minha greve de fala, mas eu precisava fazer algo e este me parecia ser o caminho mais fácil há dois dias.

— Aonde vai, filho?

— Estudar.

Bato a porta ao sair.

Mas não fui em direção à casa de Otávio onde ele e os outros me esperavam. Fiquei na porta de casa ouvindo Robson falar de mim e o pior de tudo, ouvindo minha mãe e meu avô concordarem com ele. Vovô nunca concordava com ele.

— Eric está precisando de ajuda, Sarah. Ele anda estranho desde que nos mudamos e a nossa vizinha disse que o via sair à noite. Não sei mais o que pensar sobre ele, sei que é adolescente, mas parece estar endoidando. Quais são as chances dele nos trazer umas péssimas noticiam altas? Sim. Se meter com drogas ou coisa pior. Ian não pode ter esse tipo de influência, a gente devia conversar com ele.

Silêncio até que as concordâncias viessem e foi então que praticamente corri em direção a casa de Otávio. Porque eu sabia que precisava ouvir a voz dele, agora. É a única pessoa capaz de me acalmar quando sei que eu sozinho não irei conseguir, ainda mais quando minha mente grita o nome dele, meu coração está tão acelerado quanto meus passos e a cada passo: tum-tum, tum-tum, tum-tum, cada vez mais forte, cada vez mais doloroso.

Cruzei a rua sem olhar. Sorte minha não tinha nenhum carro ou moto.

Cruzei a calçada e tropecei, me recompus em dois tempos para continuar a correr, o gosto daquele café pareceu pior e tive que parar porque sabia que se não parasse, vomitaria.

Respire, respire, respire tão fundo que sinta a necessidade dos seus pulmões doerem. Depois solte a respiração tão devagar que você ainda vai parecer sem ar, faça isso e esqueça por um segundo, se esqueça.

Pense no nome dele, pense nas palavras dele.

Mas não consigo, porque dói. Tudo dentro de mim dói, não meus órgãos, eles só estão trabalhando como sempre fazer. Acho que é minha alma que está catando os pedaços depois do que escutei e toda vez que se abaixa para catar um pedaço de si, tem que se retorcer e é aí que encontra a dor.

Não sei exatamente quanto tempo fico parado no meio da calçada, parece ser uma eternidade. Caminho com mais calma e uma garoa começa, depois aumenta para uma chuva e mesmo assim, caminho devagar.

Penso nas coisas impossíveis de Alice.

Não eram as Minhas Coisas Impossíveis, eram dela.

Um, existem pessoas que você ama que machucam você; Dois, existia uma parte de mim que desejava fugir para longe e quem sabe nunca mais voltar, entrar em uma aventura louca sem ninguém, só eu; Três, meu padrasto tem a verdade que tanto quero e se eu pedisse, ele me daria, porque não gosta de mim quanto finge gostar; Quatro, eu posso contar a verdade para minha família, eu gosto de um garoto e ele estuda comigo, ele me beija tão profundamente que machuca e eu ainda quero mais; Cinco, a verdade não pode machucar tanto; Seis...

Bato na porta de Otávio e quando ele abre, seu sorriso murcha.

Estou encharcado e tremendo. Parei diversas vezes para pensar e não me importei com a chuva pesada, eu só pensava e sentia, pensava e sentia.

Engasguei-me na hora de falar, o que me fez odiar meu próprio fracasso. Solucei enquanto era guiado para dentro da casa dele e quase quis correr quando lembrei que não estávamos sozinhos aqui. Júlia, Raquel, Ian e André me cercaram de repente, me deixando ainda mais sem ar. Eu sabia que não iria desmaiar, mas a sensação era esta.

— Eric, o que foi? Que porra aconteceu?

Então eu contei.

Simples assim as palavras foram saindo aos montes, uma torrente até que eu me desse por satisfeito e parasse de falar. Não tinha certeza o quanto tinha falado, se tinha falado algo muito assustador. Pelas expressões deles, o que eu tinha falado tinha bastado para fazer Júlia segurar minha mão.

— Somos seus amigos. Pode contar com a gente. — Ela disse, cordial. Sinceramente cordial e isso me fez abrir um sorriso.

Um sorriso no meio a... escuridão era a palavra que veio à mente.

Eu disse que os procuraria, sim. Obrigado. Afinal, era isso que fazia os amigos, certo? Procurar uns aos outros quando parecia tudo perdido e sem rumo, quando os caminhos: certo e errado, já não pareciam tão óbvios. Procuramos os amigos para termos de novo aquilo que perdemos tentando decidir, tentando acertar.

Esperança.

Nos Vemos à Meia-noite (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora