Capítulo Dois

320 37 0
                                    

Ian estava chorando.

Chorando na verdade, é eufemismo. Ele está gritando e se debatendo no chão; o rosto tão vermelho que me assusta.

Tento reprimir um sorriso. Eu não devia querer sorrir mas estou com tanta vontade de rir que me sinto mal. Robson está gritando para que ele se levante do chão porque Ian, nas palavras dele, "não é um chorão de merda". Minha mãe tenta conversar com Ian também, ao meu menor sorriso ela me olha de um jeito ameaçador. Sou inteligente o suficiente para saber o que aquele olhar significa.

Quando Ian parou de chorar, Robson deu um suspiro aliviado que inflou seu peito como nunca vi. A respiração foi solta achei que iria derrubar a parede, foi mais um rugido do que um suspiro de alívio. Meu avô olhou para mim como se pensasse a mesma coisa. Pensar coisas assim e trocar olhares para confirmar era o nosso jogo, era como conversávamos a maior parte do tempo. Era o melhor jeito de nos divertimos à custa daquele homem.

Ao chegar ao meu quarto a primeira coisa que fui ajeitar foram minhas roupas, coloquei-as na mala que minha mãe me deu, logo depois guardei o calendário na mesma bolsa com cuidado. Meus objetos estavam nas caixas; livros, álbuns de fotos, brinquedos, minha câmera e os cadernos de rascunho de ideias. Logo as caixas estariam em um caminhão, nós em um carro. Todos indo na mesma direção. Minha mãe contou estarmos nos mudando para a antiga casa da minha tia, é uma casa própria e a chave estava com minha mãe desde que minha tia decidiu sair do país. Perguntei por que não nos mudamos antes para pararmos de pagar aluguel.

— Você sabe que seu padrasto gosta daqui, Ian também ama. Seria de mais pedir a eles algo assim. — Eles. De novo.

Depois disso ela saiu do meu quarto e eu me joguei na cama. Não seria tão ruim me mudar para a casa de tia Sandra, era perto do aeroporto e seria apenas concluir o segundo ano e ficarei com 18, poderei ir morar com ela como já combinamos. Aposto que Robson ficará feliz quando esse dia chegar, mas não posso condená-lo tanto, eu também fico feliz quando ele partia em viagem de uma semana ou mais.

— Eric?

— Estou aqui, vovô.

Ele entrou no quarto e sentou ao meu lado na cama. Meu avô tinha o cheiro de amaciante e perfume madeireiro. Desde que minha avó morreu ele andava meio aéreo, acho que acontece isso quando a pessoa que você ama morre de repente, com foi o caso dela.

— Você está chateado.

— Isso foi uma pergunta?

Eu sabia que não.

— Estou, sim — admito — é que é tudo tão injusto. Porque isso está acontecendo de novo? Vamos nos mudar e não faz nem três anos que estamos nesta casa, não faz três anos que meu pai nos deixou e aquele... Aquele homem entrou pela porta e veio morar conosco. Agora está acontecendo de novo, mudança, mudança. Odeio.

Meu avô assentiu, eu sei que ele me entende. Se não entendesse não estaria falando comigo em primeiro lugar.

— O senhor também está chateado?

— Não. Qualquer coisa que sua mãe decidir por mim tudo bem. Vamos voltar para a casa da sua tia. Você já foi lá várias vezes, Eric. Sabe que não é um bicho de sete cabeças.

Eu me lembrava pouco da casa de tia Sandra, só sabia que havia uma árvore enorme no quintal dela, um pé de jambo eu acho. E também que tem um sótão que eu nunca queria conhecer.

— Queria aceitar melhor às mudanças. — Digo me sentindo encolher, não me conformar com algo me deixava além de chateado, inseguro como uma criança.

— Eu também. — O olhar do meu avô está na parede onde o calendário estava.

— Sabe — diz ele — sua avó também não gostava muito de mudanças. Odiava principalmente quando alguém mexia nas coisas dela, mudava o sofá de lugar ou coisas assim. Ela era rígida com a rotina. Tinha uma coisa que ela sempre guardava e ficava chateada quando alguém mexia. Quem sabe eu mostre a você depois.

— Pai! — A voz da minha mãe chegou até nossos ouvidos e foi assustador. Meu avô sorri e se levanta.

— Não fique com raiva, Eric.

— Não ficarei. — Minto e quando ele fecha a porta começo a rir. — Como se fosse possível não ficar.

No carro enquanto Robson murmurava para si mesmo para onde deveria ir — Tê-lo calado era raridade.

Então acho que foi por isso que fiquei inspirado — comecei a escrever o roteiro de algo, ainda tento decidir se é algo romântico, assustador ou dramático. Estou com meu quarto caderno de rascunhos, os outros já tinham sido usados como puderam, todas as folhas rabiscadas. O pequeno caderno está no meu colo e o lápis está balançando nos meus dedos, tinha parado no meio de um parágrafo falando da vida passada das personagens, coincidência ou não eles também se mudavam. Enquanto um deles estava bem com isso o outro já não estava, ambos indo para a mesma cidade, ambos querendo que dê tudo certo contando apenas com nada, zero conhecimento, zero de planos, há apenas a expectativa de uma cidade nova.

Minha mãe apontava o caminho, dizia para qual direção seguir e em que rua entrar. Os dois se envolveram em uma calorosa discussão a cada cinco minutos.

Comecei a traçar um parágrafo de salto no tempo onde as personagens já se conheciam. Um acidente que envolve os dois passivamente, ambos riem como loucos na situação, falam seus nomes e se gostam logo de cara. Imagino a cena; talvez eu guarde o rascunho para um futuro filme. Guardo o rascunho quando Ian começa a querer me atrapalhar. — Suas mãos esbarram na minha propositalmente, um S logo se transformou em um raio feioso.

— Pare com isso. — Digo para ele.

Ian me mostra a língua e depois começa a perguntar se estávamos chegando como tinha feito a menos de meia hora atrás. Meu avô dorme, Robson resmunga mais alto agora e falou um palavrão. Minha mãe está olhando para frente e somente para frente. Foi como meu avô olhando para a parede do meu quarto. Pergunto-me se as lembranças dela sobre estar aqui são boas e se as minhas serão.

— Já estamos chegando? — Ian pergunta.

— Quando chegar eu aviso. — Robson responde de mau-humor.

— Não queria ter saído de casa! Porque temos que sair?

— Porque sim. — Minha mãe responde prestando atenção em nós do banco de trás. — Você vai gostar daqui.

Não soube dizer se ela só falou aquilo para acalmá-lo ou foi realmente verdade.

A casa de tia Sandra estava bem à frente. Meu coração começou a palpitar mais rápido e isso me assustou. A casa me assustou, a casa dos vizinhos me assustou. O ar pareceu diferente, não pude deixar de notar coisas desnecessárias, não pude deixar de notar que a partir de agora chamarei este lugar de casa. A palavra também pareceu assustadora.

Nos Vemos à Meia-noite (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora