Capítulo Três

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Podia fazer uma lista com os bichos que achamos assim que abrimos a porta da frente: Ratos (isso fez Ian gritar), baratas (isso fez minha mãe gritar) e uma ou duas aranhas. Comecei a andar pela casa, estava tão vazia e sombria que meus passos faziam ecos, entrei em todos os cômodos e no fim acabei saindo pela porta dos fundos que da para um quintal, onde a árvore está, onde a grama está alta e há gatos de rua cavando um buraco por ali. Entrei novamente em casa após encarar o gato por dois minutos, encontrei minha mãe carregando uma caixa que dizia em letras pretas e exageradas: SAPATOS.

— Pegue as que estão chegando. — Ela me diz.

Ao chegar à calçada de novo vejo o caminhão vindo à nossa direção. O homem que está no volante parece cansado, os óculos redondos estão na ponta do nariz. Ele estaciona perto do carro de Robson e desce. Quando abre as portas tenho a visão completa das caixas que são dezessete anos da minha vida, todas empilhadas. — Não de um jeito bonito.

Pego uma por uma, Ian ajuda pegando coisas leves — pratos, lençóis em sacolas e caixas contendo cabides —, Robson ajuda minha mãe lá dentro e meu avô está no quintal com o olhar longe e a mente mais ainda.

Quando coloquei a última caixa que estava no caminhão na casa o sol estava se pondo, chegamos aqui à tarde. O sofá estava perto de uma parede e quando me sentei senti um rugido de alívio saindo da minha garganta, meus músculos doeram e meus pés latejaram.

— Pai! — É a voz de Ian que está vindo correndo do quintal, seus pés estão sujos e toda a lama fica no chão por onde ele já pisou. — Aqui não tem!

Todos nós olhamos para a criança melada de lama até os tornozelos. Minha mãe parecia aflita, vovô estava trocando olhares comigo e Robson parecia feito de pedra; ereto, parece não respirar.

— Não tem o quê filho?

— Meu quarto! Só tem três, o do senhor e da minha mãe, porque o senhor disse que vocês são um casal e casal tem um quarto. Mas tem o outro quarto do lado e lá fede, não quero aquele! Eric já colocou as coisas no outro quarto!

O queixo dele está erguido, os olhos que eu sempre assemelhei a cor de mel estão vidrados no pai como se o desafiasse a dizer-lhe "não". Em determinado momento olhei para minha mãe e percebi que ela falava algo no ouvido do meu avô, algo que o fez concordar mesmo estando com o cenho franzido. Eles conversavam assim às vezes, do mesmo jeito que Robson conversa com Ian — agora mesmo — enquanto eu trabalho para adivinhar o que estão cochichando.

Percebo que Ian está sorrindo.

Ele abraçou seu pai. Robson o abraçou de volta.

É nessas horas que sinto inveja dele, de como ele sorri quando abraça o pai e de como ainda o tem por perto para conversar, para encontrá-lo quando começar a chorar, para abraçá-lo quando quiser.

Que ridículo, estou com inveja de uma criança!

— Acho que podemos organizar essas coisas ainda hoje — mãe diz de repente entusiasmada —, mesmo que o guarda-roupa de Eric não chegue hoje. Penso em colocar a mesa para esse lado, Robson vem me ajudar, por favor.

Tinha me esquecido que objetos como meu guarda-roupa, a cama do meu avô e o segundo conjunto de armários da minha mãe não puderam ser tragos hoje. Meu avô então dormirá em uma rede, minha mãe guardará sua louça antiga em outro lugar e minhas roupas ficarão em pilhas em cima de uma cadeira naquele quarto.

Ian senta-se ao meu lado, comportado.

— Você está sujo de lama, o que estava fazendo?

— Brincando de guerra.

— Com quem?

— Com ninguém — ele dá de ombros —, você está fedendo.

— Você também. — Rebato.

Passamos a próxima meia hora discutindo quem estava fedendo mais. Quando escureceu percebemos que só a luz da sala, de dois dos três quartos e a do banheiro funcionava. Jantamos na sala, assistindo já que a prioridade de Robson foi ajeitar a televisão.

Quando deixei a sala indo em direção ao meu quarto, a voz de Robson me assustou quando ele disse:

— Ian pode dormir naquele quarto hoje, Eric.

Por mais que tenha sido uma pergunta, eu não levei como uma. Parecia uma ordem, parecia uma regra e minha me olhava com se implorando que eu a aceitasse.

— Quê?

— Ian não vai conseguir dormir na sala — ele explica —, você é mais velho, Eric. Assuma o sofá só por hoje.

— Ou — minha mãe interveem. Ela sabe que eu tinha algo para dizer — pai pode dormir aqui na sala, armamos a rede e...

— Não. Eu posso dormir aqui, sim.

Ian sorriu e bateu palmas, também disse um pequeno obrigado para mim. Robson voltou a prestar atenção na televisão, ficou impassível. Ele já sabia que eu diria sim de qualquer jeito, não deixaria meu avô dormir aqui.

— Vou pegar um lençol para você. — Minha mãe levanta-se e ao passar por mim para ir para o quarto beija o topo da minha cabeça.

Era um jeito de dizer "muito bem" ou "obrigado". De qualquer forma não quero que ela e Robson discutam, odeio quando eles gritam um com o outro, Ian começa a chorar e meu avô podia se intrometer e a coisa poderia ficar feia. Seria melhor apenas dizer sim a isso, a isso pelo menos não era nada de mais.

Nos Vemos à Meia-noite (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora