Capítulo 01

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Caio Barreto de Melo

Sinto o gosto desbotado do chiclete de menta na boca. Saí de casa há quase uma hora e continuo preso num maldito engarrafamento na Marginal Tietê. É um inferno.

Meu relógio - um modelo smart já fora de moda - marca a hora: 07:43. Parabéns, Grande São Paulo, estou atrasado novamente!

Nem o frio cortante de meados de junho é capaz de me deixar menos agoniado. Sai fumaça da minha respiração. Ligo o aquecedor do carro e também o rádio.

A voz rouca do radialista dá a entender que tem alguém se resfriando por ali. Nada de novidade, apenas corrupção na política e acidentes de moto.

Meu celular toca. Viro-me para fitá-lo sobre o banco do carona. No display, o nome de minha parceira de trabalho: Carol.

Apanho o celular e atendo à ligação.

- Fala, Carol!

- Ainda no transito, Caio?! - ela indaga - Acha que consegue chegar em quanto tempo por aqui? Temos um caso dos grandes para investigar.

- Uns 10 minutos. Não estou mais tão longe...

- Certo!

Ela desliga sem se despedir e eu nem me dou conta de que sequer questionei que caso dos grandes seria aquele.

Há quase 2 anos eu fui transferido de Guarulhos para São Paulo. A área continuou a mesma: divisão de homicídios, mas, o vale-refeição aumentou - o que é muito bom.

Mesmo durante minha graduação - sou formado em Direito, pela USP Ribeirão Preto - eu já sabia que queria a área policial. A investigação, o processo que é necessário, tudo isso sempre me deixou muito afoito, com aquele arrepiozinho na espinha.

Mas, sabe aquele ditado que diz que, quando os deuses querem nos castigar, eles nos dão exatamente aquilo que desejamos?! Pois bem, basicamente, a divisão de homicídios fodeu o meu psicológico e acabou com meus dias de alegria. Não sei explicar como, nem a razão exata, mas, tudo aquilo foi me ferindo gravemente a alma e eu simplesmente fui deixando de ser o Caio que eu era antes.

Quando me mudei para São Paulo, imaginei que as coisas seriam diferentes no trabalho. De fato, foram: melhoraram.

Nessa época, eu comecei a me questionar se a razão para a minha imersão no lado negro da minha própria mente não seria meu antigo ambiente de trabalho: o prédio fedido de paredes desbotadas pelo tempo, o cheiro de mofo que vinha do teto e os colegas de trabalho, que mais pareciam ter saído de um livro de terror.

Aqui em São Paulo, não. O ambiente é limpo, não tem mais cheiro de mofo e os colegas são, por assim dizer, mais tranquilos.

Minha namorada, Sheila, que era minha colega de faculdade e atualmente se dedica em causas cíveis, também notou minha diferença, "você parece outra pessoa, Caio!", ela falava sempre que podia. Aquilo me animava por um lado, mas, me deixava receoso por outro: eu tinha feito a Sheila sofrer pra caralho nos últimos tempos. É o lado ruim do amor: sofra junto com quem se ama.

Estaciono minha Hyundai Tucson Preta na vaga destinada a mim na Delegacia. Apanho meu celular e minha mochila no banco do passageiro e desço do carro.

Finalmente consigo me livrar do chiclete sem gosto na lixeira ao lado dos degraus que me levam direto para a porta de entrada da Delegacia.

Entro na repartição e sou logo alcançado por Carol.

- Chegou, finalmente!

- Transito caótico. O que houve por aqui?

- Homem, 38 anos - Carol começa a falar, enquanto entramos em minha sala - O corpo foi encontrado num matagal aqui perto.

Gay KillerOnde histórias criam vida. Descubra agora