Capítulo 24

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David Rabelo


Você tem 18 anos e um ódio gigantesco.

Você odeia a todo mundo, mas, sobretudo, a você mesmo.

Você tem poucos amigos no colégio, sua mãe finge que você não existe - ou que parte de você não existe - e, quando você decide dizer quem você realmente é, ela te coloca para fazer terapia.

Mas, você se conhece, você sabe que você não vai conseguir - por mais que tente - sufocar esse seu lado, suas vontades, seus desejos...

Então, você baixa um aplicativo de encontros gays. Ali, você vai poder ser quem você nasceu sendo. Sem medo de julgamentos.

De repente, você começa a sair com vários caras.

Você começa de leve, porque tem medo, mas, depois que nota que, além de incrível, é normal para muita gente, você se solta um pouco mais.

E, aos poucos, sua vida chata e sem sentido vai deixando de existir, porque, de um jeito ou de outro, você está sendo quem realmente é.

Você conhece caras legais. Os que não viram ficantes, viram amigos. E é totalmente diferente do colégio, porque eles são como você.

Você encontrou, finalmente, a sua turma. 

Você está feliz demais. Você está feliz, finalmente, por ser quem você é.

Até que você recebe uma ligação de um número privado e sua vida vira de pontacabeça. Tudo no que você acreditava se desfaz e, de repente, aquilo que te trazia forças, começa a te trazer medo.

Do dia para noite, é o medo quem começa a te mover.

Você está sendo ameaçado e não sabe por quem, não sabe nem o motivo direito. Então, todo mundo é suspeito.

Você se lembra bem daquela voz que te disse palavras ofensivas. Parece a voz de um cara mais velho. Talvez ele tenha mais de 40 anos. 

Um cara com esse perfil te chama para sair. Talvez não seja um desejo. Talvez, esse cara que te chamou pra sair através do aplicativo de paquera é aquele cara que te ligou te xingando. Você não vai dar pra trás, em vez disso, uma súbita coragem toma conta de você. Você vai ao encontro com o cara, mas, vai preparado.

Seu suéter tem bolsos internos - uma bizarrice - mas, serão úteis agora.

No bolso interno do lado direito, você coloca um canivete. No bolso interno do lado esquerdo, um tubinho de linha e uma agulha envolta em um tecido, para evitar te machucar. 

Em sua mente, tudo está programado: você nunca mais será ameaçado.

Durante o encontro num parque, o cara é nojento. Tem uma cara meio amarrotada e cabelos cobertos por caspa. Ele tem 47 anos e se diz vendedor de carros. A essa altura, o canivete não está mais no bolso interno do seu suéter. Ele esta no bolso externo, dentro de sua mão.

Vocês estão sozinhos e está entardecendo, não há câmeras de vigilância e você não tem mais dúvidas: aquele cara está te ameaçando.

Então, enquanto inclina-se para beijá-lo, tira o canivete de dentro do bolso do suéter e o crava direto na femoral direita.

Você é o melhor aluno de biologia - será um biólogo no futuro - e sabe que a artéria femoral é uma das mais calibrosas. Uma perfuração ali é irreversível. 

Ele morre em pouco tempo.

Mas, aí, você tem um problema:  o sangue.

A noite já está alta. Você consegue jogar terra por cima da poça de sangue que se formou logo abaixo do corpo nojento daquele cara. Já não jorra mais nada de dentro dele, só a certeza de que você nunca mais será aborrecido novamente. Seu paraíso continua intacto em suas mãos.

Gay KillerOnde histórias criam vida. Descubra agora