Caio Barreto
Quando eu fui abandonado, a Sheila me estendeu a mão. Ela ficou ao meu lado, me deu forças, me ajudou como ninguém mais poderia ter feito. Ter me encantado por ela, me apaixonado, me deixado levar e ir morar junto com ela foram apenas consequências da gratidão imensa que nutri por tudo o que ela me fez.
Embora eu realmente a amasse demais, a Sheila sabia da verdade. Eu sabia da verdade.
Aquilo, por mais bonito que pudesse ser - e realmente era lindo - não era verdade.* * *
Masco meu chiclete de menta enquanto busco forças para encarar a dura realidade na qual me encontro: namoro desfeito, caso sem resolução, um serial killer feroz à solta.
É um caos. E, de algum modo, sinto que toda essa merda é culpa minha.
- Não me venha com essa cara de cu de novo, Caio! - diz a Carol, entrando em minha sala com dois copos de café expresso, um pra ela e o outro pra mim, que ela já coloca sobre a mesa antes de se senta bem à minha frente - Foi doído, você sofreu, mas, já tem aí uns três dias. Da pra superar!
É incrível como a Carol tende a levar tudo da forma mais simples possível. Nada é tão simples assim.
- Você conseguiu falar com o garoto? - ela me indaga, sei de quem ela está falando.
- Sim! Eu pedi a ele que viesse aqui... Ele foi meio resistente, disse que estava com receio de ser visto e de ser ligado ao caso de algum modo, medo de alguém descobrir sobre a sexualidade...
- Eu não tenho paciência pra gente que não se aceita!
- Não é tão simples assim se aceitar, Caroline! Nem todo mundo nasce com a sua cabeça evoluída de sagitariana.
Ela me olha com certo deboche, depois, da um gole no café.
- Eu acho que nosso cara é um cara mais velho! - ela diz - Provavelmente alguém ligado à saúde. Um desse tipo que não se aceita, trai a mulher com outros caras e, depois, pra silenciar sua vida dupla, ele enfia um canivete na femoral do outro e ainda costura os lábios para ter certeza de que seu segredinho sujo estará muito bem guardado!
Ficamos em silêncio. A Carol levou tudo como se tivesse contando uma história de terror.
- Chegou um rapaz aí pra falar com você, Barreto! - diz o Leonardo, as duas mãos na cintura, pernas abertas, estava querendo promover sua masculinidade.
Eu já sei de quem se trata.
Levanto-me e, junto com a Carol, vamos até nosso visitante.* * *
Mais uma vez estou na sala de depoimento. Agora, em vez do Carlos Eduardo Soares, quem está à minha frente é o tímido David Rabelo. A quase vítima do nosso cara.
A Carol não entrou. Eu achei melhor não termos a presença dela ali, poderia me trazer problemas. Pelo pouco que eu tinha visto, o David era do tipo sensível e a insensibilidade da Carol poderia fazer com que o rapaz travasse e não contasse nada de relevante para o caso.
Mas, a Carol e o Leonardo estavam nos observando, eu sabia, do outro lado da parede espelhada.
- Achei demorado...
- O que, David?
- O seu telefonema! - ele evita me olhar nos olhos - Eu imaginei que eu fosse vir depor bem antes.
- É, nós tivemos alguns contratempos... Outra morte. Só conseguimos espaço agora. Mas, isso não anula a importância da sua fala, tá certo?! Como está o braço?
Agora ele usa um suéter preto com um círculo branco ao centro, está mais tímido do que na outra noite. O suéter cobre o braço, onde ele havia sido machucado pelo nosso cara.
- Está bem melhor! - ele responde - Acho que não vai ficar uma marca muito forte...
- Isso é bom! - eu tento passar coragem para ele através do olhar, já que agora ele consegue me encarar - Você conseguiu se lembrar de mais algum detalhe, David?
Ele abaixa o olhar.
- Ele tinha uma tatuagem, como eu disse... Eu me lembro que ele era forte também, alto...
- Sim, Eu me recordo!
- É - ele volta a me olhar - Eu não me lembro de muita coisa além disso.
- Tem certeza?
- Sim... - ele fez uma pausa - Ele era careca também!
No momento em que o David me passa aquela informação, eu sinto um arrepio na espinha!
Alto, forte, tatuagem no braço e careca.
Infelizmente, aquela descrição batia de forma muito precisa com uma pessoa que eu conhecia muito bem.
Não demonstrei expressão. O David precisa sentir-se seguro e confortável. Além disso, sei que estamos sendo observados através do vidro espelhado. Não posso dar pistas de que desconfio de algo.
- Você acha que seria capaz de reconhecê-lo, David?
- Improvável - ele lamenta - Tudo isso eu só consegui assimilar algum tempo depois. Lá estava escuro, eu já falei.
Ele parece agressivo. Creio que seja pelo estresse do depoimento. O gravador continua sobre a mesa, ele o encara vez ou outra, parece olhar um inimigo mortal. Ele não quer exposição. Ele não se aceita ainda.
- Você gostaria de dizer algo mais? - eu indago porque sinto que ele tem esse desejo. Ele está escondendo alguma coisa.
- Não, obrigado! - ele responde, mentindo para mim.
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Gay Killer
Mystère / ThrillerUma série de assassinatos está acontecendo em São Paulo. A única coisa em comum entre as vítimas é o fato de todas serem homens homossexuais. O detetive Caio Barreto é designado para o caso. Enquanto isso, o jovem David começa a receber telefonemas...