Capítulo 20

27 5 0
                                    


David Rabelo

Eu simplesmente decidi deixar de ir para a terapia.

De algum modo estranho, o Dr. Jessé estava me deixando muito mais ansioso do que o normal. No fim das contas, algo que era para me acalmar e fazer um bem, estava me destruindo. 

Eu acho que ele não gosta de mim.

Sei lá, de uma hora para outra, é como se os questionamentos dele fossem muito mais para me afetar do que para me ajudar. Isso não é nada bom.

Minha confidente - nos últimos dias, até psicóloga - tem sido a Lisa. Minha Arlequina de estimação.

É engraçado pensar assim, mas, eu vejo muito mais a Lisa como alguém que eu possa "usar" quando eu quiser. Repare nas aspas. Usei esse termo porque não achei nada melhor.

Ela me ajuda e eu faço companhia pra ela. Companhia porque a Lisa é a única pessoa nessa galáxia que não precisa de ajuda para nada.

Ela é bem resolvida, ela tem dinheiro - os pais têm - ela tem uma autoestima lá em cima - e não deria razão mesmo para não ter - e pode ficar com quem ela bem entender a hora que quiser.

A Lisa é tipo a Beyoncé da minha escola.

Estou jogado no sofá da sala, enquanto passo pela timeline do meu instagram sem realmente prestar atenção em nada. Às vezes, eu tenho vontade de deletar minha conta do instagram. Não tem nada de interessante para ver lá. As pessoas são fúteis e mesquinhas, cada um só olha para o próprio umbigo e ninguém quer realmente curtir suas coisas. Eles querem que você cura as coisas deles, que deem visualizações para eles e, por isso, eles fazem o mesmo com você. No fundo, no fundo, ninguém tá nem aí pra ninguém.

- Aparentemente, o Serial Killer que vem assombrando a comunidade LGBT de São Paulo atacou novamente - disse a repórter bem vestida na TV, que está ligada falando praticamente sozinha, já que a Ellen está no mundo dos chás da tarde e minha mãe ainda não chegou do trabalho, eu começo a prestar atenção - Dessa vez, um jovem de 23 anos, estudante de Educação Física pela Universidade de São Paulo foi encontrado morto num matagal próximo a uma boate LGBT no centro da capital paulista. Aparentemente, Daniel Carneiro não tinha qualquer ligação com os outro 4 mortos pelo Serial Killer. As características dos crimes anteriores se repetiram nesse: o cadáver foi encontrado sem roupas, com um corte na artéria femoral direita, os lábios costurados e jogado num local deserto. Apesar doos crimes estarem acontecendo com um intervalo cada vez menor, a polícia ainda não tem pistas de quem pode ser o autor deles.

Me senti gelar novamente.

Isso é uma droga!

Se sentir amedrontado, agoniado, acuado e, simplesmente, não ter para quem pedir ajuda é uma das piores coisas que podem acontecer a alguém.

Ansiedade, ansiedade. Eu a sinto vir me visitar de novo.

Meu celular toca. Vejo no display "Número Privado".

Atendo imediatamente:

- Alô?

- Oi, bichinha pão-com-ovo! - não é nenhuma das vozes anterior, é outra pessoa, eu posso garantir isso - Você tá vendo que os baitolas iguais a você estão morrendo né?! Você vai ser o próximo!

Ouço uma risadinha de deboche ao fundo da ligação. 

- Toma cuidado, bichinha!

- Você não tem o que fazer não, seu desgraçado?! - eu berro - Vem me pegar então, vem!

Desligo o telefone na cara dele.

Meu coração está acelerado e a boca seca como nunca antes.

Vejo que a Ellen se assustou com o meu berro. Ela faz cara de choro. Eu largo o celular em cima do sofá e vou até ela e a pego no colo.

- Tudo bem, amor, tudo bem! - eu digo a ela, mas, no fundo, estou falando para mim mesmo - Nada vai acontecer! Vai ficar tudo bem!

Eu puxo ar para os pulmões e, junto com ele, vem aquele cheirinho de bebê que a Ellen tem. Isso me ajuda a ficar ainda mais calmo. Eu estou com ela, ela está comigo. Precisamos ser fortes para que um ajude ao outro.

De repente, me vem uma ideia em mente. Não sei se é viável, mas, me parece ser o certo.

Estou sendo ameaçado e, dessa vez, de forma bem clara "Você vai ser o próximo!". Está claro que eu estou na mira.

Mas, por quê? Como? O que eu fiz?

De repente, aquela história de que eu peguei alguém que não deveria, me parece ter pouquíssimo sentido.

E se for algo pessoal, além da questão dos boys?! 

E se tiver alguém que só quer me ver mal mesmo?

Mesmo sem querer, eu já fiz mal a algumas pessoas. Alguns rapazes, sobretudo aqueles do aplicativo. 

Gente que eu esnobei, gente que eu falei merda do tipo "foi mal, você não me atrai" e coisas assim. Mas, querer me matar por isso, já é demais.

Eu estou cansado, não quero mais viver nesse caos emocional.

Coloco a Ellen de volta no chão - ela está mais calma - vou até meu celular e procuro na agenda o número para o qual quero ligar.

Em instantes, está chamando.

Quatro chamadas depois, ouço a voz dele do outro lado da linha.

Sinto meu coração acelerar de novo.

- Olá, eu preciso muito, muito te ver! - eu digo.

- Ótimo, David, pode vir até a Delegacia agora, se quiser.

Gay KillerOnde histórias criam vida. Descubra agora