Capítulo 18

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David Rabelo

A Lisa parece ler meus pensamentos. 

Meu rosto machucado já tinha sido fruto de discussão em casa, um interrogatório digno do FBI, até minha mãe se contentar de que eu tinha, realmente, me ferido numa ponta solta da cerca de arame do jardim do prédio vizinho - sim, isso foi o melhor que eu pude inventar. Mas, com a Lisa o buraco era mais embaixo. 

De algum modo, eu sempre acho que a Lisa é capaz de me conhecer melhor que as outras pessoas. Não só pelo nosso contato, que é maior, mas, por que ela tem isso: um ar investigativo mais aguçado mesmo.

- ... Sua mãe pode até ter fingido que acreditou nessa história de ponta de arame, cara, mas, eu não. Conta logo o que foi! Pegou o boy de alguém e foi descoberto?

Ela diz em forma de deboche, mas, isso me irrita. 

- Não... - respondo, a cara amarrada, faço questão de que ela saiba que não estou contente com a brincadeirinha sem graça dela - Foi um cara que me ofereceu drogas e eu não aceitei.

- Aí ele te deu um soco?! - ela disse, surpresa - Caralho, eu nunca iria apanhar se a causa fosse essa!

Ficamos em silêncio por um tempo. Eu queria que ela sentisse que estava sendo idiota. 

- Olha, David... Você acha que não, mas, eu sempre soube que você era gay!

- Como é que é? - eu digo sorrindo - Todo mundo diz isso, Lisa, é um clichê. 

- Eu sei que é um clichê, mas, nesse caso, eu realmente sabia.

- E como você sabia?

- Um dia, na aula de biologia, eu vi, sem querer, que você estava conversando num aplicativo de paquera gay. Eu vi a foto de um pau gigantesco na tela do seu celular.

Eu senti minhas bochechas ficarem rubras na hora.

- Mas, eu quis esperar sua hora né...

Eu só consigo pensar uma coisa: você é um puta de um descuidado, David Rabelo! Se ela viu, quem mais pode ter visto?

- E te digo uma coisa, brother - ela continua, tipo aquelas amigas engraçadas de seriados norte-americanos, com o dedo indicador da mão direita rodopiando no ar com um movimento de punho - Se você aguentou aquilo tudo, tens o meu respeito.

Eu fico em silêncio.

Me sinto exposto demais.

- Enfim... - tento fugir do assunto - Eu preciso ir embora. A aula já acabou faz um tempão, não sei como que minha mãe não me telefonou ainda.

- Tá bom, David! - ela dá de ombros - Fique de boa!

Eu me levanto e saio andando e quase posso ouvir o som do cérebro dela fazendo festa ao me julgar. Me questiono, enquanto estou sentado no ônibus, há quanto tempo ela já vinha me julgando. 

Poxa vida. Por que tudo tem que ser tão complicado assim?

Meu aplicativo de paquera começa a me enviar notificações de novas mensagens. Claro, é sexta-feira. Os ânimos estão exautados para o fim de semana. Eu penso em ignorar todas as mensagens, mas, não consigo. 

Quando estou ansioso - o que é o caso - eu só consigo ficar melhor transando. Ou, pelo menos, falando sobre sexo. 

Abro o aplicativo.

Que os jogos comecem.

Tenho até uma certa esperança de encontrar o Detetive Barreto por lá, já que ele tem uma conta. Mas, acho melhor ficar afastado. Não seria bom pra mim. 

Não seria bom por um lado, porque, por outro.

Que droga, eu não consigo tirar aquele cara da cabeça. 

É hora de agir. Vou fechar os olhos e fazer o que tem que ser feito.

Abro o aplicativo e marco um encontro para essa noite. Preciso tirar o estresse. E eu só conheço uma forma de fazer isso.

* * * 

É quarta-feira. 

Estou de volta ao consultório do Dr. Jessé e ele me encara com aquele olhar de desconfiança e julgamento. A cada dia que se passa, sinto mais raiva dele. Sinto mais raiva de estar aqui.

- Como foi essa semana, David?

Sorriso falso, expressões vazias. Será que ele me detesta ou detesta a própria profissão dele?

- Foi tranquila! - eu minto. Não quero mais ter que falar sobre nada de verdade com ele. Apenas o que eu quiser que ele saiba e, talvez, o que eu queira não seja um retrato fiel da verdade.

- Sabe o que eu percebi? - ele questiona - além do corte no seu rosto, claro.

- O que?

- Suas ausências nas consultas com o psiquátra - silêncio - o que está havendo?

- Psiquiátras passam medicamentos - eu respondo - E, de algum modo, eu sinto que minhã mãe quer que eu me medique pra que eu não seja quem eu realmente sou. Ela quer evitar ter um filho gay, me tornando impotente e incapaz. Você sabia que, quem toma esse tipo de medicamento não pode nem tirar a habilitação?

- Sim, sabia...

- Então... Minha mãe quer me fazer ser refém dela. Isso não pode ser aceitável.

- Mas, a medicação não te fazia bem?

- Não! De jeito nenhum. Ela me deixava sonolento e sem cerébro. eu não tinha emoções, ne reações. Eu era praticamente uma planta.

- Uma planta não faria mal a si mesma.

- O que está querendo dizer? - eu pergunto.

- Primeiro, cortes no braço e, agora, esse ai no rosto. Eu tenho que levar em consideração o seu histórico, David. Suas lesões autoprovocadas e as tentativas de autoextermínio. Será que não seria a hora de voltarmos para a terapia medicamentosa?

Eu fico em silêncio.

Ele sabe mais de mim do que o que deveria saber.

Tenho vontade de chorar. Eu só quero sumir. Sumir daqui e de todos os lugares.

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