Capítulo 02

75 11 1
                                    


David Rabelo de Souza

Desde que eu me entendo por gente, eu sou triste.

Eu tenho plena consciência de que, nem de longe, eu sou como os outros garotos de 18 anos que tem por aí. 

Sentado na poltrona que fica em cima da roda traseira do ônibus, eu coloco meus fones de ouvido e deixo "when the party's over" da Billie Eilish entrar em meus ouvidos, fuzilando meu cérebro. 

Me perco olhando a paisagem que passa pela janela do ônibus: prédios enormes, o dia cinzento, as pessoas caladas... São quase 07:00 e tudo o que eu mais queria era estar morto.

Sinto meu coração gelar quando eu vejo meu celular repousando sobre minha mochila que, por sua vez, está sobre minhas pernas.

Eu estou há algum tempo agoniado toda vez que vejo meu celular. Ele meio que virou meu inimigo número 1 depois daquilo...

* * * 

Foi numa manhã de quinta-feira. Eu estava em aula - era Biologia, eu me lembro porque é a matéria que eu mais amo - quando meu celular tocou. No display, estava a mensagem:

 Número desconhecido ligando

Eu nunca tinha recebido uma ligação daquelas, mas, como eu tinha entregue um currículo, me candidatando à vaga para jovem aprendiz de uma empresa uns dias antes, imaginei que seria a ligação de lá. Ergui a mão direita e pedi licença para a professora.

Apressado, fui para o corredor e atendi à ligação:

- Alô?!

- David, meu querido, tudo bem?

Eu não reconheci aquela voz. Era de homem. Senti um aperto no peito.

- Sim?!

- Eu vou ser direto - a voz continuou - Fiquei sabendo que você pegou meu macho e não é para você fazer isso de novo, ouviu?! 

- O quê?

- Cala a boca, sua puta! - a voz alterou o tom - Se eu descobrir que você ainda olhou pra ele, eu vou te matar. Se você ainda se aproximar dele, eu te mato. E se você tentar dar uma de espertinha e tentar alguma gracinha, eu não tô só, tenho uns amigos barra pesada. Eu te mato do mesmo jeito só que mais rápido ainda. Entendeu?!

Meu coração falava mais que eu. Minhas mãos estavam dormentes, e, a boca, seca.

- Entendeu, veado?! - turrou a voz de novo.

- Entendi, entendi, pode ficar tranquilo que não vai acontecer mais. Eu juro!

- Boa menina!

A voz sumiu. A ligação tinha sido desligada.

Minha boca continuava seca, como se eu tivesse comido um quilo de sal puro. O coração, ainda acelerado. As mãos, ainda dormentes. 

Me vi perdido no corredor da escola, como se ali fosse uma parte do inferno.

Apressei o passo, indo em direção ao banheiro. As pernas funcionavam quase que por conta própria. 

Quando entrei na cabine, deixei-me cair sobre o vaso, levando as mãos ao rosto. Não controlei mais as lágrimas.

Eu me senti amedrontado de uma forma que jamais tinha me sentido antes. A forma como ele tinha falado comigo, me chamando de puta, de veado... Aquilo tinha mexido demais comigo, com meu ego, com meus medos e traumas. 

Quanto mais eu pensava e revisava as falas dele, mais eu chorava...

* * * 

Gay KillerOnde histórias criam vida. Descubra agora