Capítulo 19

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Caio Barreto

Eu decidi não contar nada sobre a noite anterior para a Carol. Imagino que ela iria achar, no mínimo, inapropriado, esse meu contato com o David Rabelo, porque 1) ele é parte importante do caso e, 2) é estranho levar um garoto de 18 anos pra sua casa no meio da noite, mesmo que seja para cuidar dos ferimentos dele.

Enquanto tomo meu capuccino, observo o Leonardo.

Aquele brutamontes realmente tem cara de quem cometeria assassinatos em série. Me recordo de, no mínimo, umas cinquenta vezes nas quais o Leonardo fez algum tipo de analogia homofóbica em algum grau. 

A Carol não gosta dele. A Denise, esposa da Carol, também não e eu, muito menos.

Tem algo de sombrio sobre o Leonardo que eu ainda não fui capaz de desvendar. Talvez ele tenha sido um jovem delinquente - as pessoas ficariam surpresas se soubessem o quanto é comum isso acontecer: adolescente com tendência à violência vira policial.

Sabe o que também não é nada difícil de se encontrar? Policiais com transtorno de personalidade antissocial, o famigerado psicopata.

Isso é realmente bem comum. São dados de pesquisas científicas.

E eu não duvido que o Leonardo seja um desses. 

Pensando bem, o Carlos Eduardo também tem esse perfil. Muito charmoso, muito cínico. Talvez seja sociopata. Agressor de traavestis.

Colocando na mesa, eu realmente não sei qual dos dois tem mais chances de ser o nosso cara.

- Tá flutuando? - disse a Carol, me trazendo de volta para a realidade.

- Só pensando, criando hipóteses. 

- Isso não está nos ajudando, francamente.

- Como é que é?!

- Fala sério, Caio! - ela fala meio desgostosa - Há quanto tempo estamos nisso?! Por mais quanto tempo vamos ficar?! Estamos parecendo crianças que perderam o brinquedo no parquinho. Enquanto eu e você ficamos aqui pensando sem fazer porra nenhuma de concreto, o nosso cara tá lá fora matando quem ele bem quiser e planejando mais e mais mortes.

- É, eu sei disso...

- Então vamos agir!

- Como é que nós vaamos agir, Carol? - eu me coloco no lugar dela, o de questionador - Me diz! A única coisa que temos sobre o nosso cara é a memória muito frágil de um garoto repleto de traumas. Não temos um retrato-falado, não temos uma imagem de câmera de segurança, nós não temos nada!

Ficamos em silêncio por um tempo.

- Pera aí! - a Carol diz, enquanto sinto os neurônios dela explodirem dentro da própria cabeça - Nós não chegamos a buscar por imagens de câmera de segurança... 

- Não existem câmeras de segurança nos matagais, Carol, nem em terrenos sem dono...

- Sim, mas existem no estacionamento! 

De repente, sinto-me um grande idiota.


* * * 


A sala onde ficam armazenadas as imagens das câmeras do circuito externo da boate gay é meio apertada. 

Para falar a verdade, não dá nem para chamar isso de sala, é bem mais um cubículo imundo, apertado e visualmente poluído com papeis e televisores do tipo tubão. Tecnologia quase zero.

Para minha completa surpresa, fomos recebidos por uma Senhora de meia-idade rechonchuda e de cabelos crespos armados no topo da cabeça por duas xuxas, uma de cada lado da cabeça. O nome dela é Odete, ela é a dona da boate. 

- Eu estava achando demora vocês virem até aqui - fala Odete, enquanto expele nicotina no ar - Eu assisto a muitas séries policiais e os caras sempre vão atrás das câmeras de segurança.

A Carol me olha torno, ela está me julgando. Engraçado é que ela também não tinha tido aquela ideia antes, então, como pode me julgar?!

- Muita coisa pra fazer... - eu digo - Dá para acharmos a gravação da noite em que encontramos o o corpo ali atrás do estacionamento?

- Dá... - Odete disse isso como se fosse bastante óbvia a resposta - Mas, não sei se vai ser muito útil na investigação de vocês.

- Por quê? - questiona a Carol, sem tirar os olhos dos televisores.

- Porque a única câmera que eu tenho virada para o estacionamento é aquela ali - ela diz, enquanto digita um atalho no teclado de computador sobre a bancada minúscula. Na maior tela à nossa frente, aparece a imagem em tempo real.

A câmera mostra somente a entrada do estacionamento. Muito pouca coisa. Não dá pra ver nem a primeira vaga inteira. A maior porção da tela é tomada pelo movimento da rua em frente à boate.

- Não tem mais nada lá pra trás? - eu indago mesmo sabendo da resposta - O estacionamento é grande...

- Eu tinha - dona Odete se justifica - Mas, ela pifou há algum tempo. Eu não me importei muito, nunca me serviu de grandes coisas mesmo. Estamos no centro, né?! Deveríamos estar mais seguros.

- Engano seu, dona Odete - diz a Carol - Agora ninguém mais está seguro em canto algum com esse maníaco solto por aí. Principalmente o público que frequenta sua boate. É preciso reforçar a segurança.

- Aposto que é alguma bicha encubada! - dispara a dona Odete - Isso aqui é meu ganha-pão e, desde que aquele cara morreu ai nos fundos, eu tenho perdido muito dinheiro. Isso aqui é o lar de muita gente, sabia?! O pessoal vem aqui para se sentir acolhido, para se sentir querido e para se sentir pertencente ao mundo. Mas, desde que encontraram aquele corpo ali nos fundos, parece que o paraíso que eu tanto lutei pra construir, se acabou. Eu quero que vocês encontrem esse desgraçado e arranquem as bolas dele!

Confesso que fiquei meio chocado com a fala da senhora. Ela parecia mais que nervosa: estava muito emocionada.

- Dona Odete perdeu o filho, Caio - a Carol me disse, como se soubesse que eu estava tentando entender o porque daquela fala da mulher - Vítima de homofobia. Ele se matou por sofrer todos os dias no colégio pelo simples fato de ser gay.

- Foi aí que eu decidi montar essa boate - dona Odete fala, dessa vez, com garra na voz - Para fazer com que aqueles que são como o meu filho se sintam acolhidos e bem consigo mesmos. Esse é meu propósito.

- Isso é muito bonito, dona Odete! - eu falo do fundo do coração.

- Obrigada! - ela responde - Vou preparar alguma coisa para vocês comerem. As imagens são guardadas de forma automática em pastas separadas por data. Não vai ser difícil encontrarem. Está tudo na área de trabalho.

A mulher foi falando e saindo da sala, enquanto eu me sentava na cadeira em frente à tela maior.

- Vamos lá, Caio! - a Carol bateu as duas mãos em meus ombros - Hora de colocar esse meliante no lugar dele: atrás das grades.

Com apenas alguns cliques, encontrei a pasta correspondente à noite em que o crime ocorreu. 

Encontramos a fita da noite que, metodicamente, estava separada por hora. As 24 horas do dia formavam 24 arquivos. Isso facilitaria demais a nossa vida. E facilitou.

Dona Odete não demorou a chegar com uma bandeja com café e bolinhos-de-chuva - super saborosos, por sinal - e, assim que dei a primeira mordida no bolinho, vi uma figura se aproximando do estacionamento.

Olhei de imediato para a Carol.

Ela também tinha reconhecido!

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