Capítulo 04

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David Rabelo

Estou deitado no sofá da sala, esparramado feito uma jaca podre, enquanto assisto à "Um Corpo Que Cai", do Hitchcock, um Clássico.
Gosto de filmes antigos, parece que tudo era mais bonito antigamente, até as obras de Hollywood. Meus colegas acham que eu sou meio doido - não os culpo, na verdade - porque eu não sou como eles. Eu não curto muito funk e não tô nem aí pro BBB... Sou um garoto fora da caixinha.
Minha mãe também não me acha lá muito saudável socialmente falando - isso porque ela não tem ideia de que, vez ou outra, eu beijo garotos. Imagino o que ela falaria e faria caso soubesse.
Minha mãe me teve aos 17 anos, foi um acidente, óbvio. Mas, ela diz que não se arrepende, que eu sou a melhor parte dela, junto com minha irmã mais nova, Ellen, de 2 anos. Outro acidente. Minha mãe vive tendo acidentes.
Ela costuma namorar uns caras drogados, eu nunca tive boa relação - nem mesmo convívio - com nenhum deles, exceto o Marcus.
Bom, o Marcus tinha olhos pretos, pele clara, um cabelo macio meio castanho que caía sobre a testa. Eu não me orgulho, mas, por um tempo, eu fiquei apaixonado por ele. Eu devia ter uns 13 anos. O Marcus foi o meu primeiro amor. Depois de algumas brigas, ele e minha mãe se separaram e ele sumiu. Nunca mais ouvimos falar dele.
Bravo, Dona Natalia, depois do Marcus, você so pegou merda.
O filme está quase na metade, quando meu celular vibra. Apanho ele no chão e dou uma olhada no display: é uma notificação do aplicativo de paquera.
Abro o aplicativo e me deparo com uma mensagem de um cara.
A foto de perfil mostra apenas o abdômen dele: um tanquinho, muito bem definito. O nome dele no App é sugestivo: "Dot 21".
É uma sigla, quer dizer "Dotado 21 centímetros de pau". O mundo gay tem dessas coisas.
O Dot 21 é direto:
"A fim de real hoje?"
Eu sinto um arrepio. Só de pensar em realizar qualquer desejo sexual, eu me sinto inseguro. A insegura só aumentou depois daquela ligação. E se ele fosse o cara da ligação, se fingindo de outra pessoa para me atrair para uma emboscada?!
"Tô!" Eu digito "Você tá aonde?".
Ele é rápido em dizer que está no mesmo bairro onde eu moro, em uma casa noturna, uma boate gay.
Eu fico receoso de ir encontrá-lo, mas, o desejo fala mais alto.
Marco um encontro com ele falo a dez minutos e corro para me arrumar.
Minha mãe e a Ellen já estão dormindo. Eu saio devagar, não vou ter problemas com isso.
No banheiro, eu ajeito meus cabelos. Minha blusa de frio já está me protegendo. Enxáguo minha boca com um antisséptico bucal, ele me deixa com hálito refrescante, gosto de menta.
Enquanto me vejo no espelho, pareço encarar a minha face mais feia: a face depravada, pervertida, indigna de compaixão.
Eu sempre me sinto assim quando me vejo atraído por qualquer cara. Essa sensação também ficou pior depois da ligação.
Balanço a cabeça para afastar aquele pensamento de mim e saio de casa.

* * *

Estou caminhando pela rua deserta. Há pouco houve uma chuvinha típica de inverno: quase nada, apenas frio.
Estou com ambas as mãos dentro dos bolsos da blusa de frio, o capuz está protegendo minha cabeça. A vizinhança parece já ter adormecido, nem parece São Paulo.
Aos poucos, vou conseguindo ouvir o som vindo da tal boate gay. Sinto meu coração gelar, a boca está seca e eu penso em voltar para casa.
Meu celular vibra. Eu sei que é mensagem no aplicativo. Vou até ele, e o Dot 21 me diz:
"Estou perto do estacionamento. Blusa preta, calça coladinha, da pra ver bem o volume rsrs".
Fico agoniado. Estou me sentindo usado. Penso em voltar para casa, mas, sou tomado por uma maré de adrenalina que me faz seguir em frente.
"Estou chegando. Calça jeans, All-Star e blusa de frio com capuz", eu digo, guardando o celular em seguida.
Mais alguns passos, a música aumenta, o coração acelera.
A boate vai surgindo à minha frente, entre alguns pés de amêndoa.
Do lado esquerdo, está o estacionamento, meio escondido entre as árvores. Eu acho que é estratégico. Muitos frequentadores da boate usam o estacionamento como motel. Às vezes, o sexo ocorre fora dos carros, ao ar livre.
Avisto uma silhueta ao longe. É ele, eu sei. Diminuo os passos, hesito em ir, mas, meu instinto me força a seguir.
Aproximo-me dele, o cheiro de cigarro é forte. No chão, vejo uma bituca ainda encandeceste que parece ter acabado de ser desprezada. O cara coloca a mão em meu queixo, puxando-o para cima, na direção de seus lábios. Sinto o beijo dele e não me agrada, está com gosto de cigarro e é muito molhado, como se eu estivesse beijando um copo d'água.
- Você é uma delicinha! - diz o Dot 21.
- Obrigado! - estranhamente, estou envergonhado. Esse lugar me deixa pouco a vontade, estou com vontade de ir embora.
- Já curtiu à 3?! - ele questiona, enquanto apalpa meu membro, já enrijecido.
- Não - eu respondo - ainda não.
- Eu tenho um amigo que vai curtir! Bora?
Eu não respondo, apenas deixo-me levar por ele.
O Dot 21 é alto: deve ter mais ou menos 1,85m, baseando-me em minha própria altura, 1,72m.
Ele pega em minha mão e vai me guiando para fora do estacionamento, pela parte de trás, indo em direção à mata.
Ouço meus tênis pisando em galhos secos de árvore, na folhagem morta que recobre o chão úmido pela garoa.
Meu coração continua acelerado, mas, parece que já encontrou seu próprio ritmo.
- Está com medo, bebê? - me questiona o Dot 21.
- Não!
Vamos seguindo mata a dentro. Estou ansioso por aquele momento. Dentro da calça, meu membro pulsa, como se tivesse vida própria.
Começa a chover. Não apenas uma garoa, mas, uma chuva forte, com relâmpagos vez ou outra e trovões que aumentavam o volume a cada novo clarão.
- Eu quero ir embora! - eu digo, puxando minha mão, querendo me soltar dele.
- Shiiih! - ele diz de forma áspera - Para de ser uma bichinha frouxa!
- Me solta, cara! - eu falo de forma mais firme, puxando meu braço.
Ele fica furioso, da pra ouvir a respiração ofegante dele, enfurecida.
- Vai dar pra trás agora, sua puta?!
Meu coração parece querer sair pela boca. Vejo uma silhueta se formando atrás do Dot 21. É, por incrível que pareça, um cara mais alto que ele.
Não controlo minhas pernas, nem meus pensamentos. Só consigo imaginar que aqueles dois caras vão me matar!

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