Capítulo 11

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Caio Barreto

Nunca uma Vodca desceu tão amarga em minha garganta. 

A Carol senta-se ao meu lado na bancada do bar. Há poucas pessoas no ambiente. 

- Puta que pariu, Caio - ela diz - Você tá acabado!

E eu me olho pelo espelho atrás do balcão de bebidas - onde estamos sentados - sim, eu estou acabado. 

- Quem era o cara? - ela indaga.

- O colega do escritório dela, um tal de Gleison - eu digo - Eles já tinham um caso há muito tempo, pelo que eu soube.

- Que vaca! - ela assovia para o garçom, de uma maneira que eu nunca seria capaz de fazer - Traz uma vodca pra mim também! - depois que ele atende ao pedido dela, ela volta a me olhar - Cara, eu nunca pensei nisso... Nunca imaginei que a Sheila pudesse trair você assim descaradamente na casa de vocês, na cama de vocês. Se a Denise fizesse algo parecido...

- A Denise te ama, Carol! - eu tomo outro gole de vodca - Essa é a diferença entre a Sheila e a Denise. 

Eu fico cabisbaixo. A Carol não sabe muita coisa sobre a minha vida com a Sheila, nem muita coisa sobre a minha vida pessoal de modo geral. 

- Nossa história não é igual à de vocês.

- Qual é, Caio?! - ela dá outro gole na vodca, que se acaba, então, ela assovia de novo pro garçom, que, rapidamente, coloca mais uma dose para ela - Você me ligou, pediu pra eu vim aqui pra te ajudar com a tua dor, então, o mínimo que eu mereço é saber o que diabos está acontecendo aqui, né, não?!

Pensando bem, eu acho que foi meio desesperado de minha parte ligar para a minha colega de trabalho ir me socorrer da dor de corno. Ela sequer é minha amiga pessoal. Mas, como eu não tenho amigos pessoais, naquele momento, julguei ser o mais correto a se fazer. Pelo menos, era melhor que cortar os pulsos, que era uma opção também.

Mas, a Carol estava certa: ela tinha que entender tudo.

- A Sheila me salvou do fim há alguns anos, sabe?! - eu comecei - Eu fui abandonado...

- Você Tem uma quedinha por ser xifrado, hein?! - ela sorriu fazendo a piada, mas, depois, se conteve.

Na realidade, a história era bem pior do que o que ela poderia supor.

- Não é isso... - eu comecei a falar, mas, fui interrompido pelo toque do meu celular.

No display, o número fixo da Delegacia, atendi.

Em questão de segundos, puxei a Carol. Precisávamos ir.


* * * 


Aquela maldita história estava se repetindo. 

Mais um matagal, mais um corpo, mais um assassinato.

Aquele desgraçado não podia ter escolhido pior dia para matar mais um.

Mais uma vez o IML, mais uma vez as informações sobre a vítima. 

Eu estou perplexo. Meu mundo parece girar.

O chiclete de menta em minha boca tenta me acalmar, mas, não é necessário. Estou apático. Minha mente pensa muito em tudo o que já aconteceu. Sinto-me agoniado.

- É praticamente uma criança! - diz a Carol, a mão na boca, impactada.

Estou tão apático, que não me impacto mais com nada. Esse desgraçado, junto com a Sheila, conseguiu roubar minha alma. 

Eu sinto o gosto da menta indo embora aos poucos, o chiclete já está comigo há mais de meia-hora.

Eles retiram o cadáver nu, com um corte na femoral e os lábios costurados do chão e o levam no carro do IML para uma câmara gelada até que alguém vá reconhecê-lo e enterrá-lo.

E eu só consigo me sentir um inútil.

Mais uma pessoa se foi e eu sou parcialmente culpado por isso. Eu não fui capaz de prender o assassino. Eu não fui capaz sequer de manter meu relacionamento de conto de fada.

- Caio - a Carol me tira dos pensamentos autodestrutivos - Não foi o Carlos Eduardo Soares.

- O quê?

- O Carlos Eduardo Soares, aquele playboy nojento está preso. Não tem como ser ele o assassino. Ele não é o nosso Serial Killer.

Eu não digo nada. Não tenho forças para falar. Mas, penso: Pobre Carlos Eduardo, uma vítima também. Além de saber que nunca vai ser aceito como homossexual, perdeu o pai e ainda foi preso como suspeito de crimes que ele não cometeu.

Talvez a história da Travesti que comprou a droga dele fosse realmente a verdade. Talvez ele só tenha ficado violento por que tinha sofrido um calote numa festa. Como se não bastasse saber que nunca seria aceito pela família, como se não bastasse ter perdido o pai, como se não bastasse estar enclausurado dentro de si mesmo. 

Me lembrei do outro pobre coitado: David Rabelo, a quase vítima do assassino.

Jovem, delicado, indefeso, inseguro... David e Carlos Eduardo são praticamente a mesma pessoa, só que com suas particularidades.

O Carlos Eduardo virou meio que um rebelde sem causa, já o David, é introvertido e morre de medo de tudo. 

Mas, no fundo, os dois sofriam pelo mesmo mal: a homofobia. A homofobia da sociedade, da família, do mundo e, pior ainda, deles mesmos.

Se eles não fossem homofóbicos, não estariam sofrendo tanto por serem homossexuais. Eu sinto minha garganta inflamar. Eu quero chorar, mas, não posso.

Eu sei o que o David e o Carlos Eduardo sentem porque eu sou igual a eles.


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