A sala de vidro

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   Eram três da tarde e Oliva ainda estava presa no centro da cidade. A chuva que caia era torrencial e a água já alcançava seus calcanhares quando ela finalmente conseguiu chegar ao metrô. A estação estava apinhada de pessoas que, assim como ela tentavam alcançar o vagão o mais rápido possível. Correndo como louca e segurando sua bolsa para não esbarrar em ninguém, ela tentava não escorregar no piso molhado. Coisa que ela faria facilmente. Sua bunda tinha facilidade de encontrar o chão como se tivesse um imã com corrente elétrica ligado diretamente a ele. Descendo as escadas de dois em dois ela finalmente alcança a roleta. Com o rosto corado e bufando de cansaço, como se tivesse corrido uma maratona, ela chega à porta do trem e imediatamente é empurrada para dentro. Ficando em pé, sem espaço para se mexer e contando os segundos para desembarcar. Tudo que Olivia deseja é que essa entrevista de certo.

Depois de tanto esforço, noites sem dormir para conseguir estudar e do dinheiro gasto pelos seus pais, o mínimo que ela pode fazer é conseguir esse emprego e deixá-los orgulhosos. O fato de ser filha única não ajuda muito e tem peso em dobro para ela. Já se passaram mais de seis meses desde que Olivia finalmente pegou o diploma da faculdade e essa é sua quarta entrevista de emprego. Todas as outras tinham sido um fracasso e nesse meio tempo ela trabalhava no restaurante familiar dos pais. Não que ela não gostasse do trabalho, mas ela queria provar que podia fazer mais, que podia usar tudo que aprendeu durante anos na faculdade.

   Olivia desembarca o mais rápido possível, correndo até alcançar as escadas. Pedindo aos deuses para não chegar atrasada, ela não pode perder essa entrevista. Todo o trabalho que teve ao enviar os currículos, as horas gastar em frente ao computador nos sites de emprego e a felicidade que sentiu quando abriu o seu e-mail e viu a convocação. Ela estava tão feliz que nem se incomodou com o fato de ser as quatro da tarde, em uma sexta-feira. Normalmente essas entrevistas eram na parte da manhã. Na verdade, ela nem tinha parado para pensar nisso até aquele momento, onde olhava o relógio de segundo em segundo como se ajudasse o tempo a passar mais devagar. Com a chuva encharcando a única roupa que ela considerou apropriada, e sua bota fazendo barulho por todo o trajeto, ela enfim chega no endereço marcado.

   O prédio tem uns vinte andares e é todo espelhado, as janelas são enormes e escuras. Com um clique a porta se abre e surge em sua frente um ambiente quente com cadeiras enfileiradas como nas salas de esperas de consultórios médicos. Olivia diz seu nome ao porteiro depois senta na primeira cadeira vazia que encontra, pega uma revista de dois anos atrás e enquanto finge ler, ela observa seus concorrentes. A sala está lotada e aparentemente ninguém foi chamado ainda, então ela permite seu coração bater mais devagar. Controlando a respiração, Olivia percebe que as pessoas estão muito calmas. Algumas conversam entre si, outras mexem no celular, escutam música, cutucam as unhas. Será que ela é a única pirando ali? Na intenção de não piorar a ansiedade, ela decide verificar sua aparência no espelho, afinal tinha tomado um banho de chuva e deveria está horrível. Seu rímel havia escorrido de um lado do rosto, a tinta preta marcada na bochecha. Os cabelos estavam escorridos e frisados. Sinceramente, ela não sabia se tinha sido ou não uma boa ideia se olhar no espelho. Pensando em Ana, sua melhor amiga, que havia insistido para que ela levasse a maquiagem na bolsa, Olivia agradece mentalmente a amiga por sempre pensar nessas coisas.

   Retorna do banheiro com o rosto mais apresentável e o cabelo no lugar, ela nota a ausência de algumas pessoas. Finalmente a entrevista havia começado. Enquanto a sala esvazia aos poucos, ela se questiona se será a última a ser chamada, incerta se isso é uma coisa boa ou não. Quando Olivia escuta seu nome, vacila ao levantar da cadeira. Com as pernas bambas, encara o rosto da sua entrevistadora e sorri. Elas seguem por um corredor silencioso e abarrotado de quadros coloridos, Olivia reza para que ela não esteja escutando o barulho da água em suas botas encharcadas. Sobem pelo elevador até o decimo segundo andar e saem em uma sala grande e abarrotada de mesas separadas com divisórias. A maioria das pessoas ali fala ao telefone ou digita em seus computadores, ninguém presta atenção nela. O lugar tem um cheiro forte de café e sua barriga ronca alto, fazendo Olivia ficar ainda mais nervosa. No fundo, uma parede de vidro ocupa todo o espaço restante na sala. Uma mesa grande de carvalho envelhecido está abarrotada de papeis e pastas. Duas janelas estão abertas e a chuva entra por elas molhando todo o chão. É quando Olivia nota pela primeira vez a presença de uma pessoa. Ele está sentado em uma cadeira enorme olhando tristemente a chuva lá fora. De costas para ela, Olivia repara que o homem de cabelos pretos e curtos tem uma das mãos apoiando a cabeça que pende meio torta, como se ele estivesse cochilando. A cena é triste, e Olivia só percebe que está parada no meio do caminho quando sua entrevistadora a chama pela segunda vez.

   Depois de quase trinta minutos de conversas, perguntas e um teste de inglês, Olivia foi dispensada. Patrícia, sua entrevistadora, perguntou quase tudo que ela havia treinado com Ana. Sua amiga já tinha feito várias entrevistas de emprego antes e sabia mais ou menos como poderia ocorrer a de Oliva, por isso fez questão de praticar na noite anterior. Ela por sua vez, explicou que nunca trabalhou em uma empresa que não fosse o restaurante dos pais e que estava pronta para o desafio de ser uma excelente colaboradora e colocar em pratica tudo que havia aprendido na faculdade - um texto que ela tinha gravado na cabeça enquanto ensaiava para a entrevista - e que ela desejava que não fosse falado com frequência. Olivia queria ser autentica, única e queria muito o emprego.

   Enquanto descia pelo elevador, ela pensava na possibilidade de dar tudo errado, mas não deixou o pensamento negativo tomar conta das suas ideias. Sabendo que tudo dependia de uma ligação e uma resposta - sim ou não - ela colocou os fones de ouvido e caminhou em direção ao metrô. A chuva tinha dado uma trégua e caia fina como gotas prateadas pelas ruas lamacentas. Durante o tempo em que ela caminhava até a estação mais próxima, com a voz da Sia acalmando sua agitação, Olivia não pode deixar de pensar naquele homem triste que se encontrava sozinho naquela sala de vidro. Por que será que ele estava tão infeliz? Ela nunca saberia. 



Todas as coisas que odeio em vocêOnde histórias criam vida. Descubra agora