A nona carta

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Querido Charlie,

Primeiramente, olá.

"Segundamente" (é, esta palavra não existe, e sim, minha professora de gramática me mataria). Não importa.

A questão é que não vou me apresentar.

Meu nome realmente não importa, e creio que minha idade realmente não faça diferença.

Não me pareço em nada com você. Sou uma garota, nunca fumei baseado e não tenho um amigo morto.

Eu sei, isso soou meio cruel.

Estou sendo realista.

Mas há algo...que nos conecta, sabe.

Ambos já nos apaixonamos, nos sentimos infinitos ao som de uma música qualquer, escrevemos, nos sentimos tristes e felizes ao mesmo tempo, e queremos entender como isso acontece.

Creio que no fundo as pessoas são assim. Sem excessões. Nós somos como um bando de cães mijando em hidrantes, diria Gus.

Mas isso não importa.

Charlie, há outra semelhança entre nós.

Estamos vivos.

Sei que isso é óbvio, e bem idiota, haha. Mas estamos.

Nós acordamos, comemos algo qualquer da geladeira, vamos à escola, rimos com nossos amigos, abraçamos nossos irmãos irritantes, lemos, nos apaixonamos, fazemos lições de casa, beijamos alguém, vamos à festas, jantamos com nossos pais, brigamos com alguém, estouramos uma espinha, escrevemos poemas, vemos televisão, respiramos.

Nós vivemos, Charlie.

Fazemos idiotisses a todo momento.Ignoramos o fato de a maior parte dos dias do ano não ser realmente importante. Nós corremos, sorrimos, e ficamos tristes.

E porque estou dizendo isso?

Você não se surpreenderia se eu apenas quisesse preencher estas linhas com frases sem importância.

Mas ...não.

Eu li um livro.

Sobre uma garota que morre.

E então percebe o quanto costumava ser uma vaca.

Eu sei, pessoas morrem todos os dias.

Talvez isso soe idiota.

Mas enquanto lia, senti algo...calmante.

Uma sensação de paz.

Como se eu finalmente percebesse.

Que estou viva.

Que ao contrário da garota, estou respirando.

E isso, por algum motivo idiota e sem sentido, me deixou feliz.

Há alguns dias atrás, Charlie, ouvi um amigo dizer que a maioria de meus textos são tristes.

Então pensei que poderia escrever algo feliz.

Que tal este?

Eu estou feliz.

Não a todo instante, é claro.

Ninguém está.

Mas me sinto...bem.

Como quando você está em baixo das cobertas, está escuro, e então começa a chover. E aquele som enche seu quarto, misturando-se ao cheiro de chuva. E você sorri. Apenas porque sabe que vai dormir bem.

Ou quando você está falando com seus pais sobre um assunto qualquer, e pensa "caramba, eles não são tão ruins assim", ou quando você se encara no espelho, e nota que não há nenhuma espinha. Ou quando você está caminhando até o ponto de ônibus, sorridente, simplesmente porque encontrou alguém que queria.

Ou então quando você se deita na grama, e sente o Sol aquecer sua pele.

Ou quando você devora uma barra de chocolate sozinha.

Ou quando balança o cabelo num show de rock.

Ou quando joga conversa fora numa praça com antigos amigos.

Ou quando um garoto diz que você está bonita.

Ou quando só... está.

Simples assim.

E então você sabe...que existirão outros momentos bons. Mesmo quando tudo for um saco.

Com amor,

"garota perdida"

Cartas ao ParaísoOnde histórias criam vida. Descubra agora