A 13° carta

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Querido Gus,

Hoje não foi um dia bom.

Não apenas por hoje parecer um domingo sem graça, e a tarde estar fria e acinzentada; mas também porque algumas coisas me deixaram um pouco triste.

Pareço estar caminhando numa estrada desconexa e sem fim.

O garoto magrelo já não é mais o mesmo, e talvez aquela bela música que ele cantava para mim já não seja uma válvula de escape, e sim uma lembrança constante de um amor que não me pertence.

Mas eu ainda a ouço de vez em quando, e continuo tentando convencer a mim mesma de que é apenas uma música qualquer, e devo aprecia-lá pelo que é, ignorando as lembranças de seu significado. Mas elas vem em flashes, ecos no fundo de minha mente, e sei que é hora de seguir em frente.

Isso já deveria ter passado, pois amores assim não duram mais de uma estação, mas o martelar constante em minha cabeça não faz pausa, e enquanto fujo de mim mesma, me pego tentando afastar antigas mágoas que ameaçam emergir à todo instante de distração.

E então desejo ser como a garota que não quer amor algum.

Talvez eu esteja desviando do foco, então começaremos pela parte mais fácil de se explicar.

Eu não gosto de ver outras pessoas se machucarem. Pessoas boas. Isso me deixa puta. Porque me faz pensar que as coisas não são lá muito justas, e então me lembro que o mundo não fabrica desejos, como você mesmo disse.

E nestes momentos, acho que talvez o garoto magrelo esteja certo, e a vida tenha sido feita especialmente para destruir sonhos.

E são nestas horas, que eu simplesmente odeio o labirinto, e a forma como o encaramos. Como se fôssemos todos peões num hunger games mental.

Odeio o modo como as pessoas magoam umas as outras, ás vezes sem intenção, e odeio o fato de termos consciência disso e não fazermos nada a respeito.

Sei que não dá para escolher se você vai ou não vai se ferir neste mundo, porque as pessoas são frágeis, como vidro, sempre à mercê de apenas um empurrãozinho para cair na escuridão, e quando você estraga uma parte da vida de alguém, não é possível ser seletivo. Você simplesmente afeta a vida toda daquela pessoa. E nós simplesmente não temos noção...só percebemos quando é tarde demais, e Hanna bem sabia disso.

Quanto de dor conseguimos causar a alguém? Existe um limite? Quantas pessoas já magoamos sem saber?

Algumas perguntas não possuem resposta, eu sei.

E me desculpe as palavras, mas é uma merda.

Odeio fazer parte disso. Assim como odeio ser tão frágil.

É apenas um amor. Apenas um amigo. Apenas algumas brincadeiras. Apenas algumas músicas significativas. Apenas uma frase.

Coisas pequenas. Insignificantes perto da imensidão de dor que se encontra no mundo a fora.

Me pego pensando no garoto à espera de uma chance, na menina que ouve brigas em sua casa, no menino cego de amores e nas milhares de pessoas incompreendidas, que tentam lhe dar com seus problemas.

E ainda assim, elas causam sua parcela de dor.

Porque é possível escolher quem vai feri-lo neste mundo. E você sabe bem disso, Gus.

Mas eu não aceito as minhas escolhas. Porque não tenho idéia de até que ponto isso é escolha minha.

O quanto somos livres neste mundo?

Quer dizer, sei que sou um copo meio vazio, e sempre tem alguma coisa errada; e "às vezes o que nos sobra é o que nos falta", mas ainda assim...mesmo com toda essa inconstância, não sou masoquista, Gus.

E a dor, ah, você sabe. Ela precisa ser sentida.

E isso é o que me incomoda.

Não deveria ser assim.

Os momentos felizes deveriam superar os dias acinzentados. Para todos nós.

As pessoas não deveriam ter seus corações partidos. Ou derramar lágrimas escondidas. Nossos amigos não deveriam nos machucar, nossos pais não deveriam ser uns idiotas às vezes, e nossas cabeças deveriam estar livres de medos e inseguranças em relação à vida.

Mas não sei o que pensar disso tudo. Sinceramente não sei o que pensar sobre nada; e ainda espero o momento em que o universo vá nos compensar. A todos nós. Por continuarmos no labirinto, à procura do Grande talvez, mesmo não fazendo idéia de onde ele possa estar.

Com amor,

"garota perdida".

Cartas ao ParaísoOnde histórias criam vida. Descubra agora