Querido Kurt,
Faz tempo que não endereço uma carta à você, e bem, eu não estou ocupada. Apenas queria lhe reservar minhas partes tristes, os dias cinzas, como eu costumava chamá-los, ou simplesmente os textos mais dramáticos.
(Espero que não se ofenda.)
Neste exato momento, você é o único com quem quero falar. Não porque eu ache que vá entender, afinal, mortos não lêem cartas (espero que não), mas sim porque todos somos egoístas.
Não propositalmente, é claro. Nós apenas achamos que nossos problemas são sempre maiores, e quando estamos frente a frente com os de outra pessoa, não sabemos o que dizer, ou fazer.
Ás vezes, um "sinto muito" bastaria. Mas nós não sabemos disso.
Preferimos ficar em silêncio. Nós não entendemos.
Mas eu sei que absolutamente, você não lerá isso, portanto, não ficarei à espera de conselhos ou um "tudo vai ficar bem", embora eu os deseje muito neste momento.
Não sei o que dizer, ou por onde começar, porque tudo têm estado tão cinza ultimamente, que estou quase que me acostumando às tempestades metafóricas que ocorrem dentro de mim, ou à garoa fria que cai vagarosamente do lado de fora.
As coisas já não estava bem há algum tempo, desde que tudo ficou claro. E isso já faz algum tempo.
Não entrarei em detalhes, pois minhas cartas anteriores já o fazem, mas hoje, bem, tudo caiu. Como chuva. E eu simplesmente escorreguei, numa queda rápida e dolorosa deste elevador ambulante em que me vejo.
O que é o amor pra você, Kurt? Algo azul brilhante que nos leva ao topo da montanha-russa?
Na boa, eu não faço idéia.
A verdade, é que nenhum de nós sabe. Talvez agora, neste momento, pensemos ter uma idéia. Mas quem sabe amanhã?
Meu professor favorito disse que se algum dia você tiver dito "eu te amo" à alguma pessoa, e de repente, não amá-la mais, você não terá mentido . O verbo estava no presente, no momento em que foi falado. Você não disse"eu te amarei".
Sei que parece bobeira, mas isso explica muita coisa. Como por exemplo, o fato de não sabermos como iremos nos sentir amanhã.
Nós expressamos o resultado de nossos sentimentos agora. Mas talvez, semana que vem, ou daqui a dez anos, eles já não sejam os mesmos.
Porque as coisas mudam, mas isso não diminui o que sentiamos naquele instante, mesmo que breve.
E sabe, isso me dá esperança.
Porque eu gosto mesmo dele, o garoto magrelo, como você o conhece.
Não percebi isso hoje. Você simplesmente sabe, não é ? Quando alguém significa muito pra você.
Eu o vi fazendo algo que gosta, e ele parecia tão feliz. Era encantador...então simplesmente me peguei sorrindo. Como se o fato de ve-lo bem fizesse eu me apaixonar novamente, ou um pouco mais.
Ele quer ser biólogo, e eu particularmente acho isso muito interessante, já que amo animais e blabla.
Enfim.
Não estou borbulhante, Kurt. Como naquele estado típico de pessoas apaixonadas, em que a animação faz seu coração bater mais forte.
Não estou.
Sei que ele ainda gosta de outra(que aliás, não dá a mínima para ele). Eu vi isso hoje, e adoraria ser a pessoa que pode salvá-lo. Eu ficaria feliz em o consertar, como ele me consertou. Mas sei que não sou essa garota.
Não serei essa garota.
Porque eu sei, sei que ele não corresponde.
Os motivos, não faço idéia, e simplesmente cansei de tentar entender.
Aquele filme idiota diz que o fato de alguém gostar das mesmas coisas idiotas que você não significa que estão predestinados a ficar juntos.
Isso é uma droga, eu sei, e tudo isso me magoa bastante.
Eu ainda me lembro, sabe. Daquele dia no shopping de uma cidade vizinha, num domingo de Sol, com alguns amigos, e por algum motivo que me era desconhecido, ele era o único com quem eu queria conversar. Me lembro de ficar esbarrando nele de propósito, e beber seu refrigerante.
Me lembro também daquela noite, na casa de uma amiga, brincávamos de esconde esconde, e ele me deu um mega susto, propositalmente, e depois me abraçou. Aquele abraço. Meio desengonçado, e bom.
Me lembro daquele dia. Eu estava triste, e ele realmente tentou me deixar melhor.
E também de quando cantou um trecho de Fix you na mesa da biblioteca, para eu ajudá-lo a ver se estava bom.
Agora sei que são coisas tão idiotas. Mas eu ainda me lembro.
Daquela noite horrível. E do audio de I will be.
Das conversas sobre músicas, e as brincadeiras sobre pular de um penhasco.
Aquela noite da balada. Clarity zunindo em meus ouvidos, e me torturando.
Coisas boas e ruins, e agora eu sei que já não importa mais. Nunca importou.
A partir do momento que ele disse não pela primeira vez.
Eu não entendo, de verdade, e prometi a mim mesma que não tentarei novamente. Isso dói pra caramba.
Mas eu vou superar. Tenho que. Todos temos.
Não digo que é justo, ou legal, mas de quem é a culpa? De ninguém, talvez.
Não há outras pessoas, ou novos amores.
Ás vezes penso que não sou uma opção lá muito boa. Afinal, o garoto da reunião de formatura preferiu a garota mais nova, o garoto de óculos daquela festa( em que fiquei meio bebada) prefere a garota loira e o garoto magrelo, por sua vez, parece não ter preferência.
Talvez haja algo errado comigo. Cansei de tentar me convencer que não.
Não sei porque estou tão emotiva hoje. Talvez seja o resultado de eu estar me segurando, todos os dias na escola, ignorando cenas que não quero ver. Talvez hoje tudo tenha caído como chuva.
Talvez eu apenas esteja sensível demais.
Ou a culpa seja do fato de eu estar me sentindo horrível, com essas manchas no rosto e a gordura sobrando.
Não sei dizer.
Espero que tudo fique bem. Me prometa que vai?
Com amor,
garota perdida.
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Cartas ao Paraíso
FanfictionFan Fic baseada nas obras "Cartas de amor aos mortos" e "As vantagens de ser invisível", tem como foco principal a vida - não só, mas principalmente - amorosa de uma garota comum de 17 anos, que se vê na busca eterna - e talvez sem resultados - pelo...