A 12° carta

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Querida Cassie,

Um pequeno incidente alguns dias atrás deu origem à lapsos momentâneos de lembranças antigas, e agora simplesmente me pego pensando em qual o significado da beleza.

Talvez eu não devesse estar lhe dizendo estas coisas, pois sei bem que tais palavras farão retornar seus antigos demônios, mas a verdade é que você é uma personagem. E está morta. E provavelmente está num lugar belo e azul,tomando milk shake de amora, enquanto o resto de nós continua no labirinto.

Whatever.

Vou te contar uma história, Cassie. Uma história boba e entediante, levando-se em conta que a sua é bem mais interessante. Enfim, quando eu era criança, não costumava me importar com a aparência. Na verdade acho que ninguém se importava, sabe. Eu usava maria chiquinhas, pulseiras coloridas e all stars de lantejoula, e juro, que naquele momento, aquilo me parecia lindo.

Talvez a beleza seja subjetiva, eu sei.Mas o tempo passou, não tenho uma idéia muito precisa de quando isso começou, mas eu simplesmente não estava satisfeita comigo mesma.

Na época, era um bobagem de criança que queria ter cabelo liso.

Mas foi se tornando algo maior.

Eu não me alimentava muito bem, sabe. Espero que você não ache que sou do tipo que se achava gorda...claro que não. Eu tinha consciência do meu excesso de magreza. Apenas não sentia fome. De verdade. E não me importava com o fato de meus braços parecerem um lar de gravetos.

Mas então, as pessoas comentavam sabe. E um dia, de uma hora para outra, ou talvez tudo estivesse se acumulando, e eu simplesmente percebi que a imagem que eu via não era boa.

E não era somente o corpo....muitas coisas me incomodavam. E então vieram os garotos.

A adolescência pode ser um período maldoso, e nós sabemos bem disso. Apenas não temos noção. Do impacto de um simples comentário. De um olhar. Uma fofoca.

As pessoas não eram muito legais, Cassie. Eu não queria acreditar nelas...mas o espelho não mente. Nossos demônios interiores também não.

Então eu simplesmente percebi. Que não era boa o bastante.

E aquilo me machucava. Porque eu não tinha culpa, sabe.

Não dá pra se escolher se você vai ser loira e gostosa ou ter olhos verdes e corpo sarado. Nem tudo é como queremos.

E para piorar, minha vida amorosa era um desastre ambulante; e agora penso que talvez isso seja um consequência direta de minha insegurança alimentada pela maldade alheia.

Tudo bem, eu não posso simplesmente culpar à todos. Tenho minha parcela nisso. Sempre tive uma tendência a achar imperfeições em mim mesma. Mas acho que todos somos assim.

O problema está quando as outras pessoas apontam estas imperfeições. E elas apontavam.

Sei que o tempo passou, Cassie, e eu já beijei uns garotos, já sai com alguém, fui paquerada na rua, ou elogiada.

Sei que não sou mais a garota horrível que costumava ser. Mas as vezes, eu ainda me sinto daquela maneira. Como se não fosse o bastante...como se eu simplesmente nunca fosse ser o suficiente, sabe?

Consegui tantas coisas... e ainda sim não sei o que quero.

Acho que essa resposta simplesmente não existe.

Não é que eu me ache feia sempre. Não sou boba. Gosto do que vejo ás vezes.

Mas há imperfeições. Espinhas, estrias, cabelos enrolados, sorriso torto, pernas molengas.

Às vezes gosto do conjunto. É razoável. É até bom. Mas há momentos em que odeio o que vejo.

Sei que a verdade nem sempre é o que enxergamos; e que nossos demônios, alimentados por nossa insegurança interior, distorcem a realidade...mas ainda me sinto imperfeitamente errada.

E sei que não sou a única.Conheço garotas lindas que se deixam levar por seus medos e insegurança. Milhares delas. E isso é triste.

Talvez o mundo não seja um lugar lá muito simpático.

Mas ainda assim é um saco ás vezes. Ter que empurra estas vozes maldosas em nossas cabeças para longe.

E é por isso que estou lhe escrevendo. Porque você entende.

E isso é mais do que posso pedir.

Sinto muito que seus demônios tenham vencido, mas não vou parar de lutar.

Com amor,

"garota perdida"

Cartas ao ParaísoOnde histórias criam vida. Descubra agora