A 36° carta

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Querido Charlie,

Eu sempre pensei que um novo começo significa o esquecimento repentino de tudo o que remetia ao passado. Sempre achei que fingir a inexistência de um problema era a melhor - senão única - solução.
Por um tempo - na verdade, eu me lembro o momento exato. Era fim de ano, aquele dia em que as pessoas vestem branco e fazem pedidos, traçam objetivos e tudo o mais para o ano novo. Por um tempo, eu achei que se começasse de novo, se começasse exatamente tudo de novo, eu poderia fazer melhor.
Algo tipo esquecer o passado, e tudo de ruim que veio nele. Deixar as antigas mágoas para trás, e ser bem sucedida. Algo assim.
Eu me lembro de dizer para mim mesma que nunca mais iria acontecer. Eu seria uma garota confiante, e que não liga para a opinião dos outros. Eu seria autossuficiente, ou algo do tipo. Eu não seria boba nem nada assim. Seria o tipo de garota que as pessoas levam a sério.
Eu achei que deixando tudo para trás, eu seria essa pessoa. E talvez eu tenha, em parte, me tornado. Acho que abri mão de alguns clichês - ou estou imune a eles. Me sinto diferente agora. Poderosa? Não. Ainda me sinto meio sem graça às vezes. Mas tudo está um pouco diferente. Algumas coisas já não importam mais, entende?
Eu já não ligo pra aquela coisa de ter um monte de amigos - tenho alguns, na verdade poucos, mas são ótimos - já não me importo com aquela coisa de sair, assim como de namorado e todas essas porcarias.
Não sei, mas talvez conviver com pessoas diferentes te faz perceber o quanto algumas coisas são patéticas, sabe? O quanto as pessoas podem ser patéticas, o que inclui você mesma, às vezes.
E acho que esquecer todo o passado não foi o que fez isso. Foi a realidade. Agora, sei lá, eu sinto como se fizesse parte do mundo real, entende? Como se eu não fosse só mais uma pessoa patética numa vida patética, mas uma pessoa patética numa vida patética que enxerga o mundo real e vê o quanto ele é patético. Brincadeira.
Mas sério, eu me sinto mais...fora do mundo cor de rosa e perfeito, entende? Eu me sinto real. E não SEO até que ponto isso é bom.
Com amor, sempre,
Garota perdida.

Cartas ao ParaísoOnde histórias criam vida. Descubra agora