Pontualidade perversa

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Sabe, se eu tivesse me atrasado cinco minutos, tudo seria diferente...

No interior escuro da Mercedes, sento ao lado do irmão que a vida me deu, as ruas brilham, ardentes, com suas luzes medonhas e seu burburinho que nunca acaba. A cidade que não dorme...

— Como você está? — indaga Ed.

—  Nervoso... tipo, um pouco — respondo. — Mas bem, no geral!

— Ótimo! Da última vez que nos vimos, você tinha terminado... Fiquei receoso.

— Dei um jeito de ficar bem.

— Percebi — ele sorri.

— E você?

— Tudo bem, por enquanto! Estou... noivo!

— Hein? Não!

— Sim!

— Está brincando!

— Te juro que não!

— Meus parabéns, então! — abraço-o. — Finalmente conseguiu!

— Obrigado, Harry! Estou realmente feliz!

Sei como é, amigo.

— Lar, né? — dize ele. — É tudo uma questão de encontrar o lar.

— É, sim. Cacete! Eu ainda não consigo acreditar!

— Qual é! Vais ser o padrinho, Harry! É melhor começar a crer!

Sorrio, agito-o pelos ombros.

— Isso é tremendo, cara! Eu não sei nem se reagi da maneira certa!

— Não tem maneira errada! Significa muito para mim que esteja de acordo!

— Por que não estaria?

— Não sei, eu só sou sempre meio desconfiado.

— Relaxe, você e Cherry são um par perfeito!

— Falando em par, como vai aí?

Ele aponta ao meu coração.

Travo por alguns segundos. — Não... Não sei... Veja, acho que... talvez eu não devesse falar isso...

— Eita! Algo inédito!

— É a Taylor...

Ele alça as sobrancelhas enrugando o cenho. — Nem tão inédito assim...

— Não consegui ficar longe — sai quase como um desagravo.

— É — ele expira —, isso é a sua cara!

— És contra?

— Não. Jamais. Não é isso, Harry. Eu só me preocupo... com você e com ela.

— Estamos indo devagar.

— É o que todos dizem e acabam machucados do mesmo jeito!

— Faremos o nosso melhor!

Pego uma garrafa d'água e empurro um comprimido de Valium boca adentro. Meus dedos tremem e para que Ed não perceba, eu entrelaço minhas mãos, repousando-as entre minhas pernas.

— E como vai ser agora? — Ed está curioso.

— Não faço ideia — admito.

— Excelente! Soa infalível!

— Você pode só desligar a merda do botão de amigo protetor?! E ficar feliz por nós?!

Ed suspira, encarando-me e sossega no banco. Suas mãos batem nos joelhos e me diz:

— Não vou apostar tudo em vocês, pois sei que pressão é o que menos precisam agora. Mas torcerei por vocês, como nunca torci antes, porque de todos os casais que eu conheci, vocês são aquele que eu sempre achei que deveria permanecer unido.

Agradeço com um meneio, sentindo o principiar do efeito ansiolítico se dissipando em mim. Chegamos, enfim.

— Se importa se eu for ao banheiro? — pergunta Ed. — Acredito que já conheça o lugar.

— Conheço — assinto —, não se preocupe!

Ele aquiesce e diverge de mim num corredor de mesas.

Avisto Kendall sentada à mesa ao lado da que Taylor nos reservara, onde estavam servidas fatias de queijo e uvas. Como diabos ela está aqui? Ela estava na França! Essa maluca está mesmo me seguindo? Estou entrando em parafuso? Será que... Mas eu tive que pegar um helicóptero para chegar aqui! É muito esforço para pouca recompensa, Kendall...

Ela sorri, acenando para mim, e levanta-se. Chega de braços abertos e por mais que eu recue, cauto, eles me cercam. Sinto calafrios familiares e náuseas compreensíveis, mesclados a um fel que me sobe à garganta.

— O que faz aqui? — interpelo.

— Ué, não está feliz em me ver?

— Não.

— Que rude! — ela atua.

— Aveludado até demais para você.

Ela tenta segurar minha mão, sacudo o braço.

— Não se atreva!

Sussurros disparam a ecoar pelos quatro cantos do restaurante, uma aura apreensiva cresce a nossa volta. Percebo, todavia, que Kendall tenta fitar a minha alma através de meus olhos, os seus parecem ocos e eu sei que...

Se eu tivesse me atrasado cinco minutos, tudo seria diferente.

I Knew You Were TroubleOnde histórias criam vida. Descubra agora