10/06/2015
É meia-noite. Como sempre.
O ronco do motor amansa quando estaciono próximo à calçada. Ilumina-se a janela do quarto dela, opaca pela cortina. Despertara. Ela é silenciosa, não que importe, ninguém despertará. Apago os faróis, um ritual, e permaneço no breu do interior. Aprendemos a fazer isso com o tempo: alterar os detalhes, insignificantes diabos que possam brilhar mudança completa. Sempre em busca da chave para a saída daqui.
Nada nunca muda.
Quanto tempo faz que não a vejo? Parecem anos. Parecem horas. Eu deveria ir embora, fingir que não a quero mais. Sei exatamente aonde isso leva, ambos sabemos. E mesmo assim calo-me; não tenho mais ninguém, é fácil me apegar às nossas voltas.
Taylor adentra o carro, o olhar distraído. Ela já não me suporta tanto quanto não a suporto. Está a divagar outra vez, como quem viu o pior do mundo e não há nada além - sei bem o quanto é real. Tenho todas as versões dessa conversa gravadas na memória e gostaria que não tivéssemos de repetí-la; mas não é assim que se rebobina uma fita.
— Oi — começo, encarando-a.
— Oi — continua ela, retribuindo o olhar cujas retinas fotografam pequenos quadros do meu rosto. — Passou aquele perfume...
— Gosto dele — tento sorrir. — Seus presentes são os melhores. Mas aqui... tudo é banal.
— Também gosto dele...
Meus dedos descem ao freio de mão, percebo ter interrompido o trajeto, contra a programação, e minhas veias saltam, meu bíceps dilata.
— Harry — vira-se ela, hesitante.
— Eu não quero — grunho.
— Precisamos.
Olho-a, uma lágrima escorre pelo meu rosto. — Por que?
— É a nossa estrada.
— Poderia ter sido diferente.
— Hoje não.
Pisco e esqueço, pressiono o botão do freio, desço-o e aciono o motor. Por alguns segundos, o ronco é o único ruído - o ruído entre nós. Sinto os dedos de Taylor correndo por minhas madeixas, não quero ver seu rosto. Há sangue no tapete.
— Pronta?
— Nunca. — Suspira. — Sempre voltamos à estaca zero.
— Sempre voltamos à estaca zero! — ecou-a. — Nunca perdemos o estilo!
Mas ainda estamos na moda?
Acelero. A estrada é longa e sempre termina no mesmo ponto. Ardentes chamas ou o paraíso, já não há esperança para nenhum de nós. Só temos um ao outro, aqui e agora, nessa infinita highway. Desta vez, mantenho os olhos firmes no horizonte, refletidos no parabrisa o azul das íris dela me assombram. Taylor pousa a mão em meu braço, aproximando-se...
Ouço quando respira ao canto do meu ouvido. Fito, por um instante, seus lábios; fito suas mãos, agora em meu peito, meu coração que retumba. Seus lábios rutilam num vermelho escarlate clássico. Quero acabar logo com isso. Como uma transa terrível cuja alforria é o orgasmo, mas que nunca chega!
Solto o volante, dispo-me da jaqueta vermelha, resta-me apenas a camisa branca que não aguento mais vestir. Até mesmo agora, é impossível não me arrepiar com o jeito que o vento sopra seu cabelo, ocultando sua face, pondo-a distante, pondo-a espectral. Resisto à vontade de descortinar sua visagem.
A chuva chega; é hora. É um filme, ensaios sobre ensaios desta mesma cena, este frame, este take. Nosso filme queimou. Depois de todas as vezes, depois das tentativas de diálogo - somos personagens de monólogos, não entenderíamos um ao outro. Depois da raiva, depois da calma, depois do silêncio, minha garganta seca ante a pergunta:
— Quem é ela?
— Não interessa — soo grave, quero frear. — Não existe ninguém em que eu pense além de você!
Silêncio, outra vez. Ela poderia começar outra cena, acusar-me de traição ou mentira. Estaria certa em ambas, mas se não estivesse, qual seria a mentira se ela preferisse acreditar nos próprios argumentos?
Quero que me grite, quero que me bata. Quero que faça me arrepender de tudo. Quero que me faça parar o carro só para que eu possa enxergá-la. Porém, ela não se move. Não hoje.
— Já estive no seu lugar algumas vezes — murmura ela, expirando.
As gotas de chuva caem mais pesadas, mais numerosas. Como isso acontece? Fizemos tudo igual nas primeiras vezes, nem processamos o vai-e-vém. Na quinta vez, porém, prendi o cabelo e saí do carro, Taylor me encarou como se eu estivesse morto.
So you think you can stop me and spit in my eye!
Então, começamos a testar os limites. Dirigi por caminhos diferentes. Conversamos sobre outros, não sobre nós. Tentamos acordar os pais dela. Fracassamos. Fizemos tudo ao nosso alcance, só não trocamos as roupas: por algum motivo, não havia nada mais para vestir.
So you think you can love me and leave me to die!
O roteiro, por mais que adulterássemos, permanece o mesmo: a casa dela, meia-noite, faróis apagados - ela entra e partimos - à chuva, ela me pergunta, não desminto. A chuva acresce...
— Me leve para casa — pede-me ela. — Só me leve de volta...
Assinto, inspirando fundo, custo a realizar a curva, mas não tardo. Descemos. Ouço o céu rachar num trovão e os olhos dela espelham o relâmpago que me cega. Sua mão se estica ao volante enquanto estou desnorteado. Esta é uma primeira vez. Será que estamos perto...?
Despeço-me? Digo que a amo? Este silêncio precisa ser quebrado! A chuva continua estalando ao nosso redor, sobrepondo-se ao rugido do motor. Aperto-lhe a mão, mais forte. Vai ser diferente!
O raio risca o firmamento, despencando como o anjo, sua mão larga o volante e começamos a serpentear na pista. Tarde demais...
Escuro.
Puro e completo escuro.
Sorrio com minhas lembranças dela, quero saber onde ela está, por isso abro os olhos. Meia-noite, não mais, não menos. Tomo as chaves do carro e deixo a cama.
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[Capítulo dedicado a @slumberpartieswithmyself, cujo conto inspirou-me na escrita deste.]
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I Knew You Were Trouble
RomanceI guess you didn't care And I guess I liked that * Um ano após a gravação de um single juntos, Harry e Taylor se reencontram na França, ao fim de uma turnê da 1D. Passam a noite juntos e acabam se reconectando. Pela terceira vez, ambos parecem disp...