Outra manhã solitária

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Abro meus olhos, não o quero, mas preciso. Respiro fundo e sinto as sequelas do choro passado fisgarem meus pulmões, não tenho forças para andar, não tenho forças para me esticar cama afora, deslizo a mão pelo lençol até enfia-la sob um travesseiro. O travesseiro que seria dele. E ele não quis...

Cada vez que nos quebramos um ao outro, tendo a pensar se algum dia vamos realmente voltar a ser completos. Vejo meu violão, logo se manifesta uma náusea, cerro os olhos e respiro fundo. Levanto-me, mas minha alma permanece deitada. Estou tonta, e me sinto exumada. Que lúgubre descrição, não é, leitor?

Pois bem, eu também sei contar a minha hstória. Ele não é o único que consegue falar contigo, preste atenção no que deixamos de falar. No entanto, não espere que eu fale muito com você, não estou com cabeça nem coração para conversar nesta vida. E talvez você diga "A Taylor está tão tristinha. Tão p'ra baixo. Coitadinha dela".

Ah, me poupe! Eu já estou acostumada, a esse ponto não há nada que me surpreenda mais. Eu ainda brilho, ainda sou etérea, criatura feérica. Ele não tirou nada de mim que eu já não tivesse deixado com ele. Hoje, porém, eu não amo o jogador e espero que ele, ao menos, esteja odiando o jogo. No mais: foi delicioso bancar a drama queen. Um dos poucos luxos que ainda me cabem.

Sinto Olivia enroscando-se por minhas pernas enquanto desço pela escada em espiral.

— A princesa de Meowtown! — tomo-a em minhas mãos e começo a beija-la até que seu pescoço estique-se inultimente para se desvencilhar. — Sua linda! Meu floquinho de neve fabuloso!

E aplico-lhe mais noventa mil beijos. Olivia mia e eu a devolvo ao chão, sirvo-me de café numa caneca, abro uma conversa no Telegram e travo o ícone do microfone:

— Pode vir aqui hoje? Está tudo sem cor.

Desço um gole de café, agasalho-me contra a frieza e levo meus passos ao terraço, conferindo a piscina vazia, a mancha de uísque na borda, os cacos no batente e sobre os ladrilhos mais abaixo. Expiro todo ar em meus pulmões, fecho os olhos por alguns segundos, algumas folhas nas árvores farfalham calmamente, um ou dois pássaros ressonam cruzando o céu, o vapor do café sobe com o aroma ao meu nariz.

Caíram, sim, uma lágrima ou duas. Justamente quando pensei que estava imune a todas as investidas das emoções. Queria poder arrancar do meu coração o mistério dessa situação, tocar da mais aguda nota até a mais grave e fingir que não sou mais do que uma partitura de uma única música passando pelas mãos de incontáveis instrumentistas que nunca conseguem realmente reproduzir-me da forma correta para que eu seja conjurada à realidade, de volta à vida liberta para respirar.

Em vez disso, me vejo presa a um processamento de florestas desmatadas, impressa com tinta fajuta no meio do nada. Onde está o meu fôlego, com o qual cantei diversas vezes para auditórios e anfiteatros no começo de tudo? Cachinhos dourados e uma viola... aonde foi toda aquela fantasia de princesa?

Eu não sei. Já não sou mais uma princesa assim como não sou criança. Minha certeza, talvez, seja a que não caio sem chance de me reerguer. Como uma maldição. "I guess my race is run", gypsy one.

Sou uma bruxa!

I Knew You Were TroubleOnde histórias criam vida. Descubra agora