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Rayssa

Eu já sabia que estava ferrada a partir do momento em que eu abri a porta do carro.
Eu sabia que eu deveria ter o ignorado ou o mandado pra puta que pariu, mas não, ele é meu chefe e eu tinha que abrir a porta e entrar no carro dele, depois dele ter sido um grande mandão.
Como ele não me ouviu e fez questão de me deixar em casa, fiquei logo tensa por ficar tanto tempo com ele em um lugar fechado.
Achei que não íamos conversar, afinal se dependesse de mim eu não iria falar um ai, mas ele tinha outros objetivos.
André: E então, como foi essa semana na empresa? — tiro meu rosto da janela e o olho percebendo que ele está bem concentrado.
Rayssa: Han... Foi legal.
André: Legal? — ele da um sorriso de lado e uma rápida olhada para mim. — Trabalhar para meu pai então era melhor?
Rayssa: Devo confessar que com ele eu me sentia menos tensa. — me arrependo assim que as palavras saem da minha boca e tento corrigir — Não estou querendo dizer que você me deixa tensa, é só que o novo me incomoda um pouco e eu demoro a me acostumar. — ele assentiu.
André: Quando eu chegue ao Brasil, o novo também me incomodou muito.
Rayssa: Ah é verdade, seu pai havia me falado que você não morava aqui. Na verdade eu nem sabia que ele tinha outro filho. — ele riu.
André: Conheceu meu irmão?
Rayssa: Sim, em algumas festas da empresa e premiações do seu pai.
André: Certo. Então, como eu estava dizendo, estar num País novo para morar é muito complicado. Ainda tento me acostumar com as culturas daqui e as vezes tudo me incomoda. — eu começo a rir.
Rayssa: Como você fala tão bem português?— era uma curiosidade.
André: Ah eu nasci no Brasil, meus pais ficaram juntos até meus cinco anos. Quando eu fui para Washington com minha mãe, eu já tinha uma noção boa do português e lá sempre usei as duas línguas.
Rayssa: E sua mae, também voltou com você? — ele negou.
André: Não! Ela já tem as prioridades dela lá. — eu assenti. — E você? — eu desviei meu rosto odiando ter dado corda para ele me contar da sua vida, agora eu teria que fazer o mesmo. — Parece injusto você já saber bastante coisa sobre mim.
Rayssa: Mas você não me falou praticamente nada.

André: O que você ainda quer saber? — ele ri. — Aproveita que eu não costumo me abrir muito — Volto a olhar para seu rosto sem acreditar que estamos conversando. Será que é assim que vai começar nossa história? Que vai desencadear tudo na minha vida para daqui a alguns meses estarmos juntos? — O que tem de errado com meu rosto?
Rayssa: Como? — pergunto confusa.
André: É que você ficou me olhando meio esquisita agora. — volto a olhar para frente, percebendo o que eu havia feito. E ele fica rindo.
Rayssa: Desculpe, estava pensando no que eu posso te falar sobre mim. — minto, mas ele parece acreditar.
André: Também não gosta de falar sobre você?
Rayssa: Eu não tenho muito o que falar, sou advogada e isso você já sabe. Tenho um noivo e isso você também já sabe e agora está prestes a saber onde eu moro. — ele ri.
André: Certo, me fale dos seus pais, você ainda mora com eles? — nego.
Rayssa: Não se sinta mal, mas meus pais já morreram. — aviso porque sei como as pessoas se sentem, toda vez que falo sobre minha vida. Acho que é por isso que eu não gosto de falar. Ele virou o rosto em choque e eu tive que abrir um sorriso simpático para ele.
André: Nossa... eu sinto muito. Nossa, se eu soubesse não teria te perguntado. — dou de ombros.  Na estava acostumada, afinal foi assim a minha vida inteira.
Rayssa: Eu fui criada por uma tia, que serviu muito como mãe pra mim e isso que importa. Meus pais cumpriram a missão de me por no mundo e se foram, tá tudo certo. É a vida. — tento parecer mais madura do que sou quanto a isso. Frases prontas que eu aprendi a usar conforme os anos.
André: Você conheceu eles? — eu nego.
Rayssa: Eu tinha quatro anos, foi um acidente de carro fatal. Só lembro deles por fotos.
André: Não imagino como deve ter sido crescer sem pai e mãe.
Rayssa: Como eu disse, eu tive uma tia que foi muito boa para mim. Ainda é, até hoje. A chamo de mãe. Nome dela é Lúcia.
André: Ela mora com você? — ele parecia bem insistente em saber quem mora comigo, então respondi de uma vez. Sem rodeios.

Rayssa: Não, mora apenas eu e meu noivo. João.
André: João... — ele pronúncia e não sei o que eu sinto ao ouvir ele falar esse nome.
Rayssa: Minha tia hoje mora em Angra dos reis. Conhece?
André: Não, não conheço. Mas já ouvi falar que é muito bonito.
Rayssa: Bonito? É considerado caribe brasileiro. — ele ri.
André: Tá aí, atiçou minha curiosidade, agora terei que conhecer Angra dos reis.
Rayssa: Quem sabe quando eu for lá, você não possa ir comigo. — rapidamente me corrijo. — Quer dizer, comigo e com o João, claro. — ele me olhou rapidamente sério, analisando o que eu havia dito.
André: Eu adoraria. — sinto meu rosto esquentar e respiro aliviada ao perceber que já estamos chegando.
Rayssa: Pode virar na próxima rua, meu prédio fica em frente. — ele assentiu. E o silêncio continuou até ele parar na porta do meu prédio.
André: Está entregue. — assinto e arrumo minha bolsa no ombro, prestes a sair do carro
Rayssa: Realmente não precisava ter vindo até aqui, mas muito obrigada. Você me fez chegar cedo — sorrio.

André: Eu jamais deixaria uma funcionária minha vir sozinha, aposto que seu noivo vai me agradecer por isso. — sorrio e parte em mim se quebra, uma parte idiota minha gostaria que ele me trouxesse por ser eu, mas ele faria isso por qualquer funcionaria. E a outra parte se sente pior ainda por me lembrar de João.
Confesso que as vezes eu esqueço dele. As vezes não, quando eu estou do lado desse homem que surgiu do inferno para acabar com a minha sanidade mental.

Abro a porta desesperada por ar e falo com ele pela janela, que ele abriu.
Rayssa: Até amanhã, André. — digo.
André: Pede desculpa ao seu noivo e diz para ele se acostumar. — franzi o cenho. — Talvez você precise chegar tarde mais vezes.
Rayssa: Ah, eu já te disse... Ele entende. — dou de ombros.
André: Certo. Até amanhã, Rayssa. — afasto-me do carro e ele acelera, mas antes ainda consigo ver ele piscar para mim. Suspiro.

Merda! Mil vezes merda!
Fico na calçada até o carro virar a esquina e sumir da minha vista.
Respiro fundo, entro no prédio e assim que abro minha porta de casa, sinto o cheiro delicioso de comida.
Rayssa: Olá... — falo guardando as chaves na mesinha da entrada e vou direto em direção a cozinha. — Hey, que cheiro bom... — João vira ao me ouvir e me recebe com um sorriso.
João: Oi gata, demorou hoje. — ele tira o avental e vem me abraça. — Esse seu novo emprego já está te tirando de mim? — sorrio negando. — É o novo chefe que é exigente?
Rayssa: Por aí. — tento soar normal e nem um pouco nervosa por tudo o que aconteceu quase agora.
João: Só avisa a ele que você mora distante agora e é perigoso você ficar andando sozinha de metrô. — penso se devo dizer que meu chefe me trouxe...
Rayssa: Tá tudo certo, ele na sabe... — resolvo não contar. — Hãnn eu vou tomar banho, estou toda suada.
João: Ta bom, vai e volta para gente poder jantar, vou te esperar. — eu ainda sorrio antes de sair e ir direto para meu quarto.
Assim que fecho a porta, encosto nela e fecho meus olhos.
Isso tudo tá errado. Eu nunca precisei mentir ou esconder nada do João. Ele sempre foi meu melhor amigo, sempre soube tudo sobre mim...
Tiro minha roupa e vou direto pro chuveiro.
Flashes do André dirigindo e de como ele ficou sexy com toda aquela concentração enquanto dirigia vem com força na minha cabeça. E ao lembrar das suas últimas palavras eu suspiro:
"Talvez você precise chegar mais tarde mais vezes."
Rayssa: Jesus, me ajuda! O que tá acontecendo com a minha vida? — fecho meus olhos e encosto nos azulejos enquanto deixo a água caindo sobre meu corpo.

DE REPENTE, ACONTECEU...Onde histórias criam vida. Descubra agora