Capítulo Vinte e Dois

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Palavras cortavam a sua mente, ela quase não as compreendia por completo, eram como memórias de outras pessoas, longínquas e abafadas. 

—Você não deveria estar aqui — sabia de quem era aquela voz, nem mesmo no Além deixaria de reconhecer aquela voz. 

—Não ... não tenho mais lar, esqueceu?— ela tinha uma palavra para definir aquele tom, tristeza. Aquela era a voz de alguém que havia perdido tudo, assim como ela. Uma voz distante e rouca, sedutora e quebrada. 

—Nenhum de nós tem — respondeu Kiara. 

O vazio a tomou mais uma vez, frio e doloroso. 

—Ela precisa fazer. — falou aquela voz partida, despertando-a. 

—Vocês são tolas se acham que ela vai aceitar — cantarolou uma voz diferente, cheia de desdém, maciça e forte como seu dono. Aquele era o som que vinha do continente, uma voz que lhe trazia diferentes sensações e lembranças. 

—Ninguém pediu sua opinião— falou Kiara com rispidez. Ela quase podia vê-lo dar de ombros.

Sentia as vibrações pela madeira do navio, por toda a parte, era como se não estivesse em nenhum lugar, mas ao mesmo tempo estava em tudo.  

—É seu Destino, para o que ela nasceu, acredite em mim. 

—Espero que esteja certa, pois senão essa será nossa ruina. — murmurou Kiara e a sua voz se afastou mais uma vez, como se levada pela maré e pela brisa, como as brumas que se desfaziam quando tocavam a madeira do barco, desaparecendo, como se fossem bancos de areia desmoronando. 

_*_

Algo gelado cutucou sua bochecha e ela abriu os olhos assustada.

O coração quase parou ao reconhecer o pequeno rato branco de olhos vermelhos que pareciam esperar algo dela.

—Chevin — murmurou Catarina, sentia a boca seca e a cabeça girando, não sabia há quanto tempo havia apagado e nem quando fora sua última refeição, mas tinha certeza de que a fraqueza se espalhara pelo corpo e alma.

Sentia-se um pouco feliz por Chevin estar bem, pois isso significava que Leon também estava. Catarina acariciou levemente a cabeça do ratinho, que soltou um chiado feliz e ficou sobre as pernas traseiras. O rato branco tinha um pergaminho preso no corpo. Cat não queria ler seu conteúdo, mas se obrigou.

Com cuidado, puxou o laço que prendia o pergaminho e o desenrolou, Chevin saiu em disparada pela parede, desaparecendo de vista.

A pirata piscou ao ler as palavras escritas.

Esta noite, prepare-se.

—Acho melhor não nos desapontar — aquela era a voz quebrada de seu sonho, na realidade estava carregada e forte e vinha da cela ao lado, Catarina se levantou assustada e se virou para Aisha Carnassiali, sentindo a dor de cada mínimo movimento. —Muita coisa aconteceu enquanto você se forçou a dormir tão profundamente. Sei que a dor é terrível mas já está na hora de parar com isso.

Catarina se virou e Kiara estava em sua cela, bem acordada e a observando. Erkar também estava no seu lugar, mas coberto pela escuridão e quieto e o continental dessa vez estava de pé, perto de sua grade, fingindo não prestar atenção e falhando miseravelmente. 

—Do que você está falando? — perguntou Catarina confusa, a falta de comida e os choques faziam com que ela quisesse se deitar novamente.

—Você não o sente, não é — comentou Aisha, inclinando um pouco a cabeça, como se achasse que Catarina era uma espécie a ser estudada.

Sussurro das Marés - [Livro Um]Onde histórias criam vida. Descubra agora