Capítulo Vinte e Nove

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O mar a sua volta pegava fogo, as chamas a sufocavam e preenchiam seus pulmões de cinzas. 

Ela observava tudo, incapacitada de se mover, como se presa por correntes invisíveis. 

Gritos por toda a parte enchiam o espaço de agonia e ela podia ver barcos pegando fogo, velas sendo consumidas, homens pulando dos navios e sendo dragados pelo mar. 

A cena era de puro caos para todos os lados. 

Tentou se mover, usou toda a força que podia para se libertar, para ajudar, mas algo a mantinha presa ao chão madeirado. E então ela percebeu onde estava, reconheceu as velas negras, o mastro alto, a madeira escurecida inconfundível. Olhou para os lados, pelo deque do Sussurro e estava só. 

Os gritos continuavam rompendo na distância, as chamas continuavam tomando tudo e logo chegariam em seu navio. 

Catarina

Seu nome retumbou pelo espaço vazio e ela procurou quem a havia chamado, conhecia aquela voz, a amara por muito tempo. 

Ouviu passos de botas as suas costa e viu Jake, os cabelos ruivos arrumados, o rosto tranquilo, mas suas vestes estavam encharcadas de sangue. 

— Jake — sua voz era um murmúrio assustado.  — Jake você está sangrando. 

 O sangue não é meu.  Sua voz não vinha de sua boca, mas ecoava na mente de Cat enquanto o rosto dele continuava severo, a observando. É de todos que você abandonou. 

—Não! — gritou ela. —Não os abandonei, eu estou tentando, tentando arrumar um jeito de salva-los. Kiara sabe, Kiara me ajudou a fugir. 

Kiara está morta, assim como Leon.  Ele levantou as mãos cheias de sangue e as olhou. 

O coração de Catarina se apertou, uma dor profunda tomava cada fibra de seu corpo, cenas da morte do pai, de sua mãe sendo arrastada para longe dela, do corpo de Isabeau sendo atirada do navio e desaparecendo nas ondas. Todas as perdas que já sofrera e agora seus amigos. Tudo culpa dela. 

Sim. Falou a voz de Jake em sua mente. Eles morreram por sua culpa, por que você nos abandonou Catarina. Você me abandonou, por que não foi capaz de aguentar as verdades, de que não está pronta. 

Jake começou a caminhar e seu rosto começou a se desintegrar a cada passo, os cabelos se tornavam brancos e despareciam, a pele rachando e enrugando, tornando os olhos esbugalhados até que não restasse mais nada, apenas ossos emoldurando aquele rosto que havia sido tão belo. E então água começou a vazar pelos orifícios dos olhos e entre os dentes, sua roupa também apodreceu, se rasgando e soltando migalhas no chão enquanto o esqueleto de Jake se aproximava. 

Você nunca será uma capitã, nunca tomará o Sussurro. 

Catarina, o coração acelerado, cheia de medo e horror, não conseguia se mover nem fugir daquela figura tomada de ódio que caminhava em sua direção. 

O Deus da Morte vai tomar o mundo e não é alguém como você que vai impedir. 

Jake finalmente chegou perto dela e Catarina sentiu o cheiro de morte e putrefação que vinha dele, o pirata apontou o dedo esquelético para ela e Cat sentiu um poder impossível a tomar, cada um de seus ossos, cada fios de cabelo e ela caiu no chão, livre finalmente.  

Sem dom, sem família, você não é nada, Catarina Smith. Nada! 

A voz de Jake se perdia na mente da pirata e não tinha mais o mesmo tom animado e rouco do homem que Catarina um dia amara, se mesclando a uma voz fria que ela reconhecia também. 

Sussurro das Marés - [Livro Um]Onde histórias criam vida. Descubra agora