Capítulo Vinte e Oito

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Era bom estar de volta ao mar. 

Mas ela não podia deixar de se lembrar do Sussurro nem de compara-lo com o pequeno barco em que estava. O Vento dos Mares possuía cinco cabines e quatro tripulante que o mantinham em ordem, tinha três andares, um deles reservado para os produtos variados que o capitão Jack comercializava com todos os continentes. Seu tamanho era oportuno para o serviço que realizava e para Catarina também, já que cruzariam o oceano em direção à Kalabhra em vinte dias. 

Mas a pirata não podia dizer que não sentia falta da imponência de seu lar que agora a lembrava uma cidade flutuante. Pelo menos a tripulação do Vento lhe trazia algum tipo de conforto, pois homens do mar sempre seriam homens do mar, independente de serem piratas ou não. 

O capitão havia entrado em uma embarcação com cinco anos, o navio era de seu avô e mesmo vivendo uma vida de continental, passando várias partes de sua existência na terra, Catarina via em seus olhos aquele chamado, o que os piratas antigos davam o nome de Canção do Marinheiro

Desde a primeira noite de viagem, o capitão e sua tripulação sentavam-se no deque principal, à luz das lamparinas, o som do vento empurrando as velas. 

Era estranho para ela se encontrar ali, o peito se apertava toda vez que lembrava das noites no Sussurro, de quando caminhava ainda jovem ao lado do pai, enquanto o capitão cumprimentava cada um de seus tripulantes, bebia ao lado deles, batalhava e sangrava por suas vidas. Não podia imaginar que agora haviam dado as costas para aqueles momentos, controlados mentalmente por Blackwood ou não e por isso não se aproximou nenhuma vez dos homens sentados, dividindo rum e histórias e preferia ficar perto da alambrada, fiando sua adaga. 

Cedrick por outro lado parecia encantado pelas histórias do capitão, histórias do mar e de pescadores, que Catarina sabia serem lendas piratas e que ouvira durante toda sua infância. 

Ele se sentara desde a primeira vez ao lado do capitão e até bebericara um gole da garrafa do homem, largando -a no instante seguinte e refazendo sua postura, como se tivesse se lembrado de quem era. Mas mesmo à distância ela percebeu seu olhar brilhante com a vida livre do velho homem. A pirata se surpreendeu com o olhar do homem continental que parecia tão conformado com sua existência e seu lugar na maioria do tempo.

O lorde parecia guardar um segredo que nem ele percebia que possuía. 

—Foi em uma manhã fria e nebulosa como nunca havia visto — contava agora o capitão com sua voz profunda que parecia o arranhar de uma porta. — e eu senti, nunca vou me esquecer de como me senti quando o vi. 

Ela podia ver Cedrick compenetrado com a lenda e Catarina teve que se controlar para não rir.

—Já ouvira histórias sobre o Kraken e até já naveguei quando pequeno até a borda que os homens do mar chamam de fim do mundo — a pirata enrugou o nariz para o nome ao qual os marinheiros como ele chamavam seu povo. Homens do mar, por que eles acreditavam que chamar pelo que verdadeiramente eram trazia má sorte. Catarina bufou baixinho, mas o silêncio era tanto que Cedrick ouviu e se moveu incomodado. A pirata revirou os olhos. 

—Mas quando o vi, sua pele era escamosa e verde como os musgos que se prendem na madeira do meu navio e era enorme, como uma serpente gigante, eu só cheguei a ver a cauda e mesmo isso era enorme. Eu queria —  falou ansioso e até um pouco desconfortável e a pirata se inclinou levemente para ouvir suas palavras — gritar para chamar meus homens, anunciar que o grande monstro estava nos cercando, mas... 

O capitão se eriçou como se tivesse sido envolto em um vento frio e olhou para o horizonte escurecido. 

—Mas não consegui —  engoliu em seco —  e a criatura desapareceu, afundando no mar. —  ele então olhou em volta e parou seu olhar em Cat. —  eu disse para mim mesmo várias vezes que era só uma visão de ressaca, mas... não sei, ouvi muitas histórias nos portos por ai. 

Sussurro das Marés - [Livro Um]Onde histórias criam vida. Descubra agora