O olhar apático de Tadeu Cross me causou um arrepio na espinha de imediato. O velho de sorriso amarelado me mediu dos pés a cabeça enquanto mascava sabe-se lá dentro de uma agulha de pouco mais mais de vinte centímetros. Não fazia ideia do que se tratava quando fui avisada ainda em sala que deveria aparecer em escritório. Já não haviam mais consultas e estava certa de que o tinha feito acreditar que eu estava bem, ao menos diante do que ele achava que eu tinha. Estava não apenas saudável, mas sem arrumar brigar com os meus colegas ou ser pega em meio a situações no mínimo embaraçosas. Estava me esforçando ao máximo para não passar outra vez pela sessões de tortura psicológica que ele tanto clamava serem para o meu bem.
Engulo em seco quando se aproxima, ele parece ter se mesclado com o odor de mofo das paredes, ou talvez fossem as suas roupas. A camisa xadrez que usava por baixo do colete cinza parecia tão velha quanto as rugas do seu rosto denunciavam que ele era. Viro o rosto alguns centímetros encarando o chão e esboço um sorriso nervoso e desconfortável, mas ele não parece se importar com aquilo.
—Os últimos meses tem sido um tanto quanto produtivos, vejo que não há mais qualquer tipo de reclamação contra a senhorita e até as freiras tem elogiado o seu comportamento. — aceno positivamente, apenas concordando com o que dizia. —Desta forma não vejo mais motivos para continuarmos com o seu tratamento, a declaro oficialmente reabilitada. — apesar do rosto sereno, eu sentia vontade de rir.
—Eu tenho me sentindo muito bem, graças ao senhor. — tento sorrir, mas há limites para a minha atuação. Estico os lábios e apenas aceno. —Hoje também é o meu último dia de castigo na lavanderia.
—Isso é ótimo. Vou fazer algumas anotações na sua ficha para futuras pesquisas, foi um prazer insistir em nosso tratamento. — meu estômago revira quando sua mão se estica, posso ver a pele enrugada e cabeluda apoiar em meu ombro, apertando. Sinto vontade de vomitar. —Esta curada, aposto que logo irá voltar para casa e ser uma pessoa melhor. — meu pescoço dói e tenho a impressão de que tenho acenado desde que cheguei ali como um boneco bobble head.
Solto um longo suspiro ao colocar os pés para fora da sala e caminhar em passos rápidos pelo corredor a fora. Nem mesmo avia notado que segurava a respiração até sentir meu pulmão comprimir. Estava livre? Vivendo naquele casarão qualquer sinal de liberdade parecia uma alegria demasiadamente utópica. Era pouco mais de três horas da tarde e todas as minhas atividades já haviam sido cumpridas, como o trabalho na horta pela manhã — a terra embaixo da minhas unhas deixava evidente — as aulas do dia e faltava apenas a última ida a lavanderia para finalizar meu castigo. Ironicamente não era tão ruim quanto parecia, além de poder aproveitar a pouca movimentação do espaço ainda conseguia falar com o Zelador Mills as vezes, ele sempre parecia ter algo para me contar e dado ao que parecia saber eu sempre estava disposta a ouvir. Na ultima vez que nos falamos ele contou sobre sua filha e os planos que ela tinha antes de toda a tragédia acontecer e que estava feliz por ela não estar mais ali com as "outras", como ele mesmo dizia.
Quando entro na lavanderia posso ouvir uma dupla de freiras cochichando sobre a festa que havia acontecido no final de semana anterior, cinco dias depois e elas ainda pareciam horrorizadas com os jovens que tinham sido pegos aos amassos em uma das salas de aula. Praguejavam e faziam sinal de cruz a cada duas frases como se aquilo fosse fazer apagar o fato de serem tão fofoqueiras. Creio que se soubessem o que eu tinha feito onde estávamos possivelmente e expulsariam do internato a ponta pés.
Esvazio uma máquina de roupas colocando-as em um cesto, pareciam uniformes dos poucos funcionários do local. Depois me atolava em montanhas de toalhas e lençóis que não pareciam ter fim, aparentemente tinham reservado o melhor para o meu último dia. Não reclamo, afinal de contas não era bom brincar com a sorte. A terra escura embaixo das minhas unhas logo desaparecem e a ponta dos meus dedos começa a ficar enrugada de tanto afundar as mãos dentro de bacias de água.
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Página Vinte Seis
Misterio / SuspensoSeja bem vindo a Chermont ! Um internato para adolescentes renegados por suas famílias. Onde qualquer insanidade se transforma na melhor distração. O lar de criaturas que se escondem nas sombras e te enfeitiçam com sua luz. Almas solitárias...