XXV.

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Notas Iniciais: Músicas sugeridas para a leitura:  No Light, No Light / Breath Of Life / Never let me go - Florence The + The Machine.

        Letárgica. Encaro o céu acinzentado, incapaz de fechar os olhos para descansar, quiçá dormir. Me parece uma ação impossível, sempre que minhas pálpebras se fecham, por segundos mais longos que o necessário vejo a figura de George com os olhos ensanguentados, agarrado em meu ombro. Meu melhor amigo estava morto, e a culpa era minha. 

E não se tratava apenas daquela noite, e não se tratava apenas dele, as mortes que vieram anteriormente também recaíam na minha conta. Pois, eu sempre soube o que se passava e nada fiz sobre. Eles me chamariam de maluca, teriam me mandando para outro internado e talvez eu estivesse trancada em um quarto branco. Ainda assim deveria ter feito algo.

O sentimento de culpa é forte, pesando em minhas pernas e impedindo de me movimentar. Mas a ira que corrói me peito, a vingança, a sede de ver aqueles cachos loiros explodindo em milhares de pedaços vence. Eu levaria a culpa da morte de George comigo, mas eu também acabaria com ela. 

Destruiria Heloise a qualquer custo. 

Todo e qualquer sinal da sua existência seria apagado. Juro a mim mesma ao forçar-me a ficar de pé. Respiro fundo ignorando a dor, os machucados, nada daquilo importava mais. 

Encaro o corpo de Tim deitado ao pé da cama, dormia feito um porco roncando alto, provavelmente abalado com o cansaço e tudo mais. Invejo sua habilidade de descansar. Eu não tinha esse luxo. O deixo ali, quebrando a promessa de que não faria nada estúpido sozinha e retorno em passos largos em direção ao casarão.

Qualquer ideia de que haviam dado nossa falta desaparece quando coloco os pés no casarão e os poucos rostos que dão o trabalho de olhar para mim simplesmente não parecem se importar. O fato dos meus cabelos estarem assanhados, a roupa suja, os sapatos sujos de barro. Não tem uma sequer alma que se atreve a perguntar se estou bem. Tomo proveito disso. 

Vago pela enorme biblioteca recolhendo os itens que tinham as iniciais da família, o que pertencia a eles e parecia pertencer também. Precisava me livrar de tudo que estava a minha vista. Penso em atear tudo ao forno de lenha, mas havia outro lugar. A capela. Me recordo da imagem e como eram devotos aquela criatura desgraçada. 

Parece um pecado o que estou prestes a fazer. Na verdade, é uma blasfêmia. Mas não me intimido, já estava no meio da ponte, restava atravessar. Ainda que a outra ponta me levasse direto ao inferno. Junto os pertences no altar, arremesso a fotografia de Heloise ali.

— Isso é só o começo. Você vai queimar sua desgraça. Eu juro. 

Agarro a vela acesa para um santo de porcelana e deixo cair sobre o monte de objetos. Queima como lixo, e estranhamente forma uma fumaça escura, quase densa. O sopro em minha nuca denuncia a mudança da energia na atmosfera. 

— Estou te irritando? — zombo deixando o a capela em chamas para trás. Uma brisa abrupta corta o espaço apagando as velas de uma só vez, mas não sou corajosa o suficiente para olhar para trás, apenas a que carrego em mãos permanece acesa.

Sigo obstinada. Ainda faltava o porão, apesar de ter destruído muito das suas coisas na noite anterior, era melhor me assegurar que nada havia ficado para trás. Passo pelos alunos que seguem para o refeitório no horário do almoço. Me sinto como um peixe solitário nadando contra o cardume completamente alheio ao que estava acontecendo. 

É quando ouço alguém gritar, anunciando fogo. Corto entre corredores, abro portas e atravesso o porão sozinha e em silêncio, dessa vez, sem sentir uma gota sequer de medo no meu sangue. De certa forma, a escuridão e o odor apodrecido do local já parecia comum para mim, como se estivesse voltado para casa. No fim das contas devo ter virado escuridão também. 

Página Vinte SeisOnde histórias criam vida. Descubra agora