Notas Iniciais: Músicas sugeridas para a leitura: No Light, No Light / Breath Of Life / Never let me go - Florence The + The Machine.
Letárgica. Encaro o céu acinzentado, incapaz de fechar os olhos para descansar, quiçá dormir. Me parece uma ação impossível, sempre que minhas pálpebras se fecham, por segundos mais longos que o necessário vejo a figura de George com os olhos ensanguentados, agarrado em meu ombro. Meu melhor amigo estava morto, e a culpa era minha.
E não se tratava apenas daquela noite, e não se tratava apenas dele, as mortes que vieram anteriormente também recaíam na minha conta. Pois, eu sempre soube o que se passava e nada fiz sobre. Eles me chamariam de maluca, teriam me mandando para outro internado e talvez eu estivesse trancada em um quarto branco. Ainda assim deveria ter feito algo.
O sentimento de culpa é forte, pesando em minhas pernas e impedindo de me movimentar. Mas a ira que corrói me peito, a vingança, a sede de ver aqueles cachos loiros explodindo em milhares de pedaços vence. Eu levaria a culpa da morte de George comigo, mas eu também acabaria com ela.
Destruiria Heloise a qualquer custo.
Todo e qualquer sinal da sua existência seria apagado. Juro a mim mesma ao forçar-me a ficar de pé. Respiro fundo ignorando a dor, os machucados, nada daquilo importava mais.
Encaro o corpo de Tim deitado ao pé da cama, dormia feito um porco roncando alto, provavelmente abalado com o cansaço e tudo mais. Invejo sua habilidade de descansar. Eu não tinha esse luxo. O deixo ali, quebrando a promessa de que não faria nada estúpido sozinha e retorno em passos largos em direção ao casarão.
Qualquer ideia de que haviam dado nossa falta desaparece quando coloco os pés no casarão e os poucos rostos que dão o trabalho de olhar para mim simplesmente não parecem se importar. O fato dos meus cabelos estarem assanhados, a roupa suja, os sapatos sujos de barro. Não tem uma sequer alma que se atreve a perguntar se estou bem. Tomo proveito disso.
Vago pela enorme biblioteca recolhendo os itens que tinham as iniciais da família, o que pertencia a eles e parecia pertencer também. Precisava me livrar de tudo que estava a minha vista. Penso em atear tudo ao forno de lenha, mas havia outro lugar. A capela. Me recordo da imagem e como eram devotos aquela criatura desgraçada.
Parece um pecado o que estou prestes a fazer. Na verdade, é uma blasfêmia. Mas não me intimido, já estava no meio da ponte, restava atravessar. Ainda que a outra ponta me levasse direto ao inferno. Junto os pertences no altar, arremesso a fotografia de Heloise ali.
— Isso é só o começo. Você vai queimar sua desgraça. Eu juro.
Agarro a vela acesa para um santo de porcelana e deixo cair sobre o monte de objetos. Queima como lixo, e estranhamente forma uma fumaça escura, quase densa. O sopro em minha nuca denuncia a mudança da energia na atmosfera.
— Estou te irritando? — zombo deixando o a capela em chamas para trás. Uma brisa abrupta corta o espaço apagando as velas de uma só vez, mas não sou corajosa o suficiente para olhar para trás, apenas a que carrego em mãos permanece acesa.
Sigo obstinada. Ainda faltava o porão, apesar de ter destruído muito das suas coisas na noite anterior, era melhor me assegurar que nada havia ficado para trás. Passo pelos alunos que seguem para o refeitório no horário do almoço. Me sinto como um peixe solitário nadando contra o cardume completamente alheio ao que estava acontecendo.
É quando ouço alguém gritar, anunciando fogo. Corto entre corredores, abro portas e atravesso o porão sozinha e em silêncio, dessa vez, sem sentir uma gota sequer de medo no meu sangue. De certa forma, a escuridão e o odor apodrecido do local já parecia comum para mim, como se estivesse voltado para casa. No fim das contas devo ter virado escuridão também.
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Página Vinte Seis
Mystery / ThrillerSeja bem vindo a Chermont ! Um internato para adolescentes renegados por suas famílias. Onde qualquer insanidade se transforma na melhor distração. O lar de criaturas que se escondem nas sombras e te enfeitiçam com sua luz. Almas solitárias...