Sem qualquer aviso ele afastou a boca da minha, mas sem deixar de me tocar.
-Agora acredita? – ele sussurrou rente ao meu rosto.
-Preciso de muito mais que isso pra acreditar em você. – afirmei encarando seus olhos castanhos claros.
-Então terá. – ele disse convencido de si. –Farei o que for preciso para que acredite Milady. – o seu polegar desceu pelo meu rosto contornando a maça do rosto.
-Justin... –sussurrei sentindo um lufada de ar bater em minhas pernas desnudas, estava presa em seu contato visual, mas ainda conseguia enxergar a minha volta. – Preciso sair do chuveiro – sibilei e um sorriso maroto surgiu em seus lábios, aquele mesmo, de lado que me deixava inconfortavelmente derretida.
-Onde posso encontra-lá? – perguntou permanecendo como estava, a minha frente e tocando meu rosto delicadamente.
-Na cozinha...não. Na dispensa, estarei com a minha turma preparando o almoço, sempre fico sozinha na dispensa organizando os alimentos. – ele balançou a cabeça em sinal positivo.
-Feche seus olhos – ele pediu e instintivamente eu fiz. –Até mais tarde Milady – seus lábios frios tocaram os meus rapidamente. No instante seguinte tudo que tinha sobrado era a uma brisa morna mesmo com a água fria que ainda caia sobre o meu corpo.
Ele havia sumido e considerando a porta no seu estado inerte, não a tinha usado. Simplesmente havia desaparecido.***
As aulas passaram mais rápido do que o normal, talvez por que estivesse dispersa, hora ou outra me pegava olhando para o nada e perdida em flashbacks. Sim a mesma coisa estúpida me rondava a cabeça e começava a cansar. Afinal, qual era o propósito de negar algo que era tão óbvio? Ele havia aparecido algumas vezes a minha frente, acordada ou não ele estava lá. Ele era real ainda que fosse na minha mente.
Joguei a mochila com os materiais sobre a minha cama e em seguida abri a velha janela no intuito de fazer aquele cheiro de mofo ir embora. Agradecia pela madeira cinzenta não ter caído sobre mim enquanto a mesma rangia. Assim que a brisa fria bateu contra meu rosto soltei um longo suspiro, a única coisa que valia a pena naquele internato de merda era a vista. Um emaranhado de arvores ao redor, o ar era o mais puro que já tinha respirado em toda minha vida. Já estava na hora de ir, dei uma última olhada na paisagem e virei saindo do quarto. Atravessei o longo corredor até a escadaria, mais do que nos outros dias as tabuas dos degraus estavam rangendo como porcos prontos para o abate, alguém deveria consertar aquilo antes que um acidente acontecesse.
Dobrei a primeira direita, mais um corredor de paredes com papel de parede velho e cafona e então finalmente chegava a cozinha. Catalina já estava lá com as outras meninas, uma coisa que sempre me deixava indignada era o fato de que só as meninas iam para a cozinha. Alguns diziam que era por que estar na cozinha era serviço de mulher, no entanto isso não me convencia, usava as mãos pra lavar e cozinhar e não minha vagina, sendo assim qualquer um seria capaz.
-Sempre atrasada Sabine! – ela cantarolou com a sua alegria de sexta feira (extremamente irritante). – Me ajude a lavar os talheres e organizar no escorredor. – parecia um pedido, no entanto era uma bela ordem.
Puxei o avental verde musgo pendurado ao lado da segunda parte do armário de madeira verniz. Passei a alça pelo pescoço e passei a outra parte pela cintura em um laço mal feito. Aproximei-me da pia começando a recolher as centenas de talheres que estavam jogadas dentro da mesma apesar de limpos. Se me perguntassem diriam que eles eram no mínimo do século passado, boa parte da prata já estava dourada e muito riscada, além de serem exageradamente pesados. Ao menos só tinha que passar por aquilo uma vez a semana, já que o trabalho era passado a todas.
-A vadiazinha já chegou! – Leslie sussurrou passando atrás de mim, meu primeiro instinto seria dar na cabeça dela com uma das panelas espalhadas ali, mas tinham muitas testemunhas.
-Vai se ferrar! – retruquei e a girafa roliça deu meia volta parando ao meu lado, fingia recolher os talheres que eu já tinha secado e colocava em sua cesta.
-Você que vai se ferrar quando eu contar o que descobri. – falou ameaçadora e eu me limitei a virar o rosto e encara-lá. – No mínimo vai passar uma semana no castigo.
-Do que esta falando? – pergunto impaciente, Leslie sabia como me irritar e usava aquilo a seu favor.
-Eu ouvi você no banheiro conversando com um garoto – fez uma pausa dramática e parou o que estava fazendo. Olhou envolta tendo certeza que ninguém prestava atenção e se virou a mim –Quantas vezes já fez? Aposto que já deve ter sido vadia de todos os garotos aqui. – a palma da minha mão coçou, queria poder esbofetear aquela vagabunda.
-Você ta maluca Leslie, não tinha ninguém no banheiro comigo, não tem como provar. – a cadela manteve a expressão serena, segura de si. Deu de ombros e voltou a pegar os talheres. Suas palavras me incomodavam, sabia que ela não tinha como provar, assim como eu não sabia como aquilo era possível, mas eu não tinha crédito com ninguém ali, por vários motivos.
-Nem você acredita nisso vadia, mas que tal ser boazinha e ir na dispensa pegar os molhos de cebola que a Catalina pediu? –acabei cedendo, só queria paz e ela não me daria se não fosse até lá.
Larguei os talheres e me afastei indo até a dispensa nos fundos da cozinha. A porta como sempre estava emperrada, depois de duas alavancadas o metal pesado desprendeu a e abriu. Esfreguei a mão na parede até alcançar o interruptor, a luz amarelada piscou ate se firmar e por fim entrei.
Sua presença desta vez pouco parecia assustadora, por alguma razão radiava uma energia diferente, ou talvez fosse eu quem estava mais perceptiva. Fechei a porta atrás de mim, fingi não notar sua presença e continuei a caminhar pela dispensa, parava rente a uma das prateleiras como de costume sujas de poeira. Ainda esperava pelo dia que encontraria um lugar menos nojento nesta espelunca caindo aos pedaços.
-Como a comida pode ficar nessas latas durante meses sem estragar? – sua voz doce e ávida soou pelas quatro pequenas paredes.
-Não sei, eles devem colocar algum produto. –expliquei franzindo o cenho. Realmente estava falando sobre aquilo com um fantasma? Bem, ao menos tinha aceitado que ele é um fantasma.
-Isso é interessante, na minha época era difícil estocar tamanha quantia de comida – minha tentativa de ignora-lo tinha ido por água a baixo, e como não ir, a energia da sua presença tragava minha atenção a ele. – Desculpe Milady – se virou vagarosamente e esticou os braços os deixando a lateral do corpo. –Você esta linda.
Rolei os olhos e ergui o braço tocando a nuca e abaixando a cabeça. Seu elogio era tão pé e sem cabeça quanto a sua atual existência.
-Não imaginava que minhas calças de educação física e esse avental fossem me deixar bonita – ele esboçou um sorriso levemente debochado. –O que tem de engraçado? – pergunto um pouco rude.
-Uma mulher não precisa de vestidos caros – notei que se movia em minha direção – a face maquiada – antes que se aproximasse de mais me esgueirei a direita aumentando a distância entre nós – É bonita naturalmente, como o brilho dos seus olhos –não cessou na tentativa de aproximação assim como eu não pude evitar em me mover parar fugir de seus braços. –O brilho nos seus olhos...olhos de coruja.
-Olhos de coruja? – indaguei parando e cruzando os braços. Deveria aceitar aquilo como elogio?
-Sim, seus olhos são grandes, sedutores –sua mão tocou minha face sorrateiramente, tinha parado de fugir e nem havia notado. –e hipnotizantes como o de uma bela coruja.
O maldito havia me encurralado. Como pude ser tão idiota e deixar-me envolver pelas suas poucas palavras, só mostrava o quão fraca passava a ser a sua volta. Maldito. Maldito. Maldito. Maldito de belos olhos, castanhos da cor do mel, refletindo a tonalidade de deus cabelos penteados de forma engomada e em concordância com a barba desenhada a mão. Ele é um maldito perfeito.
Assim que notei que encarava demais sua face acabei por me afastar novamente, mas dessa vez ele não prosseguiu, abaixou o rosto e afastou a mão de mim.
-A Milady ainda duvida das coisas que lhe falei. –afirmou se mostrando chateado com minha ação –Já disse que irei lhe provar, mas se espera que isso aconteça do dia pra noite deve estar mais fora do si do que já imagina.
-Então o que você esperava que eu fizesse, notasse que você não esta vivo e simplesmente agisse como se nada estivesse acontecendo? – pergunto voltando ao usar meu tom rude, ele pedia por aquilo, não tinha o direito de reclamar pela forma em que reagia a sua existência.
-O que você esperava Milady? – levantou a cabeça e logo notei que o olhar direcionado a mim era diferente. – Boa noite, eu sou um ser que habita nas sombras deste orfanato e por algum motivo me interessei pela moça petulante que não acredita em nada além do que já viveu. –dei um sobressalto com a sua mão envolvendo meu braço e então me puxando para mais perto –Pode negar minha existência, sua sanidade, mas não pode negar o acelerar de seu coração cada vez que a te tenho em meus braços.
O que poderia eu fazer tendo aquelas verdades jogadas na minha cara. Nem mesmo negar valia a pena. Me entregar ainda parecia uma péssima ideia, mas por outro lado o pior que podia acontecer era ser chamada de louca, apelido a qual já haviam ligado a mim.
-Você pode estar certo em algumas coisas.
Foram as últimas palavras que saíram de minha boca antes de grudar meus lábios aos seus, envolvendo-me no calor da sua carne. Prensada contra uma das prateleiras senti um calor, apesar da sala fria, me subir pelas pernas. Justin não se deteve em percorrer as curvas do meu corpo, sua mão ágil e curiosa caminhou por cada borda deixando sua marca acompanhada de um rastro de arrepio. Esgueirei a mão dentro da sua camisa branca, ainda não compreendia como um morto poderia ser tão quente e com o corpo tão bem desenhado, cada pequena parte em que meus dedos caminhavam procurando por alguma diversão. Enrosquei as pernas envolta a sua cintura pressionando nossas virilhas, seu membro se prensava a minha intimidade fazendo minha cintura movimentar-se inconscientemente, só me passava pela cabeça como seria te-lo dentro de mim.
-Milady... – sussurrou ao morder o lóbulo da minha orelha, agora nossas cinturas se esfregavam em uma dança excitante. –Receio que tenha alguém na porta. - Até então não tinha notado as batidas na porta, estava concentrada demais me divertindo com seus toques para me lembrar de qualquer coisa além.
-O que? – gritei sabendo que as paredes eram grossas e dificultavam a passagem de som. Pressionei o dedo nos lábios do rapaz quando ameaçou falar. “Anda logo esquisita”. A voz abafada de Leslie soou. – Se ta com tanta pressa deveria ter vindo você pegar. – esbravejei e voltei a olhar Justin. Houve um silêncio momentâneo e em seguida a porta foi forçada, obrigando-me a saltar do colo do rapaz ficando de pé instantaneamente e escorando numa prateleira. –Não faça barulho, por favor. – sussurrei quando a porta se abriu por completo e a imagem de Leslie ganhou nitidez.
Como sempre a vadia estava com sua mão direta na cintura e um sorriso debochado nos lábios. Só Deus sabe o quanto aquela criatura me irritava, aliás todas as três com quem dividia o quarto, mas a ruiva em especial, conseguia ser pior.
-Demorando demais, pensei que estivesse se esfregando em algum Zé Mané aqui dentro – pude ver a sombra que se formou no rosto de Justin. –Ou é burra demais e não consegue encontrar a porcaria dos molhos de cebola. –desfilou pela dispensa em passos calmos, olhou duas prateleiras e na terceira encontrou os vidros com o molho. – Aqui, Sabinizinha. –olhou novamente pra mim segurando dois vidros – Pegue o resto, os outros seis, rápido! –cacarejou antes de dar as costas jogando seu cabelo seboso no ar e desaparecer pela porta.
Soltei a respiração me curvando, estava tensa demais imaginando o que a louca poderia descobrir. Ergui o corpo novamente e passeia mão nos cabelos ajeitando os fios que tinham escapado do prendedor improvisado. Dei um passo a frente e voltei a congelar, ao sentir o ar quente contra a minha orelha. Ele ainda estava ali? Como Leslie não tinha ao visto.
-Justin? –perguntei hesitante, não me atrevia a virar e encara-lo.
-Sim Milady! – respondeu em tom calmo e suave. –Sei o que vai perguntar, ela não pode me ver, a não ser que eu queria. –E então mais um instante de alívio me ocorreu.
Agarrei os vidros de molho os empilhando nos meus braços, não era tão fácil quanto imaginava em minha cabeça, quando um equilibrava o outro ameaçava cair. Dei meia volta em passos lentos e calculados me aproximando da porta.
-Posso lhe ajudar! – disse surgindo a minha frente em um vulto.
-Obrigada, mas seria um pouco estranho alguns vidros flutuando no ar ao meu lado – Sorri brevemente – Mas obrigada. – ele retribuiu o sorriso e depositou um beijo rápido nos meus lábios.
Voltei a cozinha e pousei os vidros de molho ao lado dos que Leslie havia trago, evitei encarar a cara feia dela e fui pro outra lado da cozinha. Ajudei dona Catalina lhe entregando os utensílios que precisava para finalizar seja lá o que ela estivesse cozinhando em um caldeirão enorme.
De uma hora pra outra senti os pelos dos meus braços se ouriçarem, como se uma frente fria tivesse invadido o cômodo, estranhamente eu parecia ser a única a ter essa sensação.
-Senhorita Pitesburg – Catalina chamou minha atenção, pelos breves minutos que parei recostando na parede próxima ao fogão. – Esta faltando uma colher de mexer de bronze, veja se esta na pia. – balancei a cabeça positivamente e girei o corpo na direção da pia.
Antes que alcançasse a torneira a vadia de cabelo de água de salsicha atravessou meu caminho com uma cesta de tomates, era proposital, eu sabia. Parei e respirei fundo contando até 26, queria mesmo era espalmar a minha mão naquele rosto cheio de espinhas.
-A concha! – Catalina pediu novamente.
-Eu pego! – Serena, a menina que estava mais próxima a pia avisou.
No instante seguinte seu grito se misturou com o barulho do triturador da pia. Todos ficaram estáticos na sala, ela se moveu bruscamente e sangue espirrou nos armários e em quem estava próximo a ela. Estávamos em pânico, de repente a cozinha virou um grande caos na tentativa de soltar Serena do triturador, seus gritos eram agonizantes e só se cessarão quando a mesma caiu no chão e chorou ao encarar sua mão dilacerada.-----------------------†------------------------
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Página Vinte Seis
Mystery / ThrillerSeja bem vindo a Chermont ! Um internato para adolescentes renegados por suas famílias. Onde qualquer insanidade se transforma na melhor distração. O lar de criaturas que se escondem nas sombras e te enfeitiçam com sua luz. Almas solitárias...