Justin / Ponto de Vista.
Eu sou o vento que sopra a sua orelha e não se vê. Sou o que captura seu sorriso e assiste na primeira fileira quando seus olhos estão calmos. Sou eu quem fica assistindo você dormir. Me intrometo no jogo de futebol e faço a bola entrar no gol. Sou eu quem faz você sentir a pele arrepiada ao acordar. Eu sempre estou aqui, em todos os momentos, mas você não pode me ver querida. Sou um fantasma e nas horas vagas um poltergeist.
Chermont não era a mesma a muito tempo, já deveria ter me acostumado com a falta de cor nas paredes e o cinza que remetia nas cortinas. Em meus tempos de vida, aquela lugar era saturado de alegria, os donos tinham filhos pequenos e parentes que viviam com os mesmos. As dezenas de quartos sempre estavam ocupados com visitantes, Sr Chermont era um homem conhecido pela sua hospitalidade com os amigos, sempre os recebia com o seu sorriso amarelado de fumo. Em contrapartida era um déspota com os empregados, dentre eles eu. Só suportava minha presença na casa pois precisava de mim para os trabalhos manuais que já não tinha forças para realizar , além do mais a Sra Chermont apreciava minha presença, segundo ela eu era um bom homem, mesmo que evidente não ser o bastante para cortejar sua filha.
Os dias eram longos, e as noites mais ainda. Todos os vivos iam dormir, mas eu permanecia de pé zanzando pelos corredores a procura de algo atrativo, não havia um momento qualquer de descanso pois ironicamente deveria estar em meu descanso eterno. Ano após ano as coisas continuavam as mesmas. novos alunos chegavam, outros saiam, um novo papel de parede cobrindo a parede mofada e só.
Houve um tempo em que questionei minha existência, afinal de contas era notório que não deveria estar ali, perguntava-me dia e noite o por que, e ela sempre respondia "você merece". Ao ver o ressentimento estampado em seus olhos não poderia enganar minha mente, eu merecia, mais do que qualquer outro que estava ali, havia feito algo terrível e isso custara minha eternidade de paz, agora um mero desejo. Exausto de nagar contra a corrente decidi aceitar meu destino, acolhi todo o sofrimento que o acompanhava, a ira, a tristeza e armazenei dentro de mim.
Sou um tolo! Admito sem peso na consciência, se é que tenha alguma. O correto a se fazer era manter distância de Sabine, mas não pude. Fui hipnotizado por sua energia pulsante no instante em que ela colocou os pés em Chermont. Deixei as sombras e me atrevi a arriscar tudo para dispor dos prazeres carnais novamente, algo dentro do lugar onde um dia foi meu coração dizia que precisava me aproximar dela, volto a seguir meus instintos, inconsequente, mesmo ciente de que me arrependeria no futuro vez que isso custaria muito mais do que poderia calcular.
Era um grande erro!
Ainda não me arrependo.
Dedilhei a mão da mão livre de Sabine, sua pele emana um calor com o qual não tinha muito contato, ainda era macia e correspondia ao meu toque ficando de pelos arrepiados, apreciava tal ato. Era gratificante ter domínio de algo, mesmo tão simples. Ela falava compulsivamente enquanto devorava um cacho de uvas, pausava a fala entre uma ou outra. Estava reclamando desta vez, na verdade ela estava sempre reclamando, de uma forma encantadora. Usava palavras que nunca ouvira para descrever sua indignação e fazia observações quanto algumas pessoas, por exemplo Tadeu Cross, de quem ela não gostava muito. Tinha razão. Se soubessem o que aquele herege fazia dentro de escritório o velho homem estaria bem longe das terras do casarão.
-Justin! - ela chamou segurando minha mão, ergui o olhar procurando pelo seu e sorri levemente. Estava imerso em pensamentos e acabei me distraindo de sua fala.
-Me desculpe, você dizia? - pergunto tocando com a outra mão sobre a sua e pousando em minha coxa.
-Não era importante...de qualquer forma já falei demais, não tenho filtro como pode perceber. - admitiu amassando o galho de uva vazio e guardando no bolso da bermuda, peça a qual achava desproporcional para uma moça, mesmo que ela continuasse linda, devo admitir que a acho mais linda ainda sem qualquer veste.
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Página Vinte Seis
Mystery / ThrillerSeja bem vindo a Chermont ! Um internato para adolescentes renegados por suas famílias. Onde qualquer insanidade se transforma na melhor distração. O lar de criaturas que se escondem nas sombras e te enfeitiçam com sua luz. Almas solitárias...