Epílogo

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O tempo é de fato o senhor das dores, só ele é capaz de medir quanto um sofrimento pode perdurar e o momento exato em que a angústia perde a intensidade. Como quando você prende o dedo na porta, dói imediatamente, dói por um bom tempo e de repente não dói mais como antes. Simples assim. Ás vezes dura minutos, horas, dias ou anos. Tudo é sobre o senhor Tempo.

Tempo esse que me deixa desacordada por horas madrugada a dentro, nunca fui uma sonhadora típica, mas desde o incidente simplesmente me tornei incapaz de sonhar. Tive pesadelos nos primeiros anos, intensos e tão reais que muitas vezes acreditei estar de volta ao casarão. 

As vezes ouvia a voz de Heloise chamando por meu nome, o olhos de George me encaravam vez ou outra no escuro. Até mesmo Leslie me fazia visitas aterrorizantes. Senti na pele o trauma causado pelo ano no reformatório. Passei por psicólogos, tratamentos e longas sessões. Ninguém acreditava no meu contato com os mortos, até que decidi embarcar nas suas suposições: eu estava alucinando, criando cenários pois ficar em um local estranho sem meus pais era uma realidade que eu não compreendia.

Com meia dúzia de remédios controlados prescritos e visitas mensais a um terapeuta fui liberada ao mundo real. E por muito tempo foi estranho e solitário. Até finalmente me encontrar, o tempo fez seu trabalho cicatrizando minhas feridas.

O toque quente e macio em minha pele arrasta-me da silenciosa e completa escuridão para o quarto de paredes beges e iluminação leve. Pisco algumas vezes acostumando-me com a claridade. O par de olhos cor de mel me fitam curiosos, acabo sorrindo ao sentir as mãos pequenas me amassarem as bochechas. 

—Bom dia mamãe. — sibilou a vozinha.

— Bom dia, querida. 

Puxei o corpo pequeno para mim e a abracei por cima das cobertas. A menina de quatro anos se fez em gargalhadas ao ser enchida de beijos, não havia som mais gostoso no mundo. Beijo sua testa sentindo o cheirinho de criança que exalava de si, uma das pontas que mantinha meu círculo de paz.

— O tio Tim veio tomar café, quer falar com você. 

— Tim? — pergunto enrugando a testa. Ela acena brincando com meus cabelos. — Okay, a mamãe vai lavar o rosto e já vai para a mesa, pode avisá-lo? — ela acenou pulando da cama. — Onde está o papai? — pergunto me dando conta do espaço vazio na cama.

— Cuidando do Juju. 

 Disse e sumiu pela porta saltitando. Faço como dito e me levanto indo lavar o rosto e fazer higiene matinal. Sempre estou uma bagunça pela manhã, pareço ter caído de um caminhão de zumbis, não importa o quanto durma acabei adquirindo enormes bolsas de olheiras embaixo dos olhos. Lavo com água gelada e passo um creme que amenizaria o inchaço. Prendo os fios longos e lisos em um rabo de cavalo, me livro da camisola colocando um vestido que vai até o joelho. 

Moro em um apartamento pequeno, mas o suficiente para a minha família. Marido e dois filhos. Nem eu acreditava as vezes neste feito. Encontro Elliot na mesa de redonda de café da manhã alimentando nosso caçula, ele até podia negar, mas sabíamos que ele estava radiante por ter um menino em casa, por três anos ele foi minoria. 

Dou bom dia a ele com um beijo casto nos lábios, abraço o pequeno de um ano que não parece ligar muito para a presença quando o pai estava por perto. Ajudo Georgia se sentar na cadeira alta ao lado do pai que a serve também. Seu xodó era Justin, mas ele sempre seria o cavaleiro de armadura brilhante da menina. Não foi atoa que me apaixonei pelo seu jeito de ser. Elliot era um bom homem, paciente e muito amoroso. De longe alguém que eu agradecia aos céus por ter por perto.

— O que te trás aqui tão cedo? — pergunto ao encarar Tim sentado a mesa com um copo de café em mãos. 

— Tenho um recado para lhe passar.

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