XI.

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Estou submersa a penumbra que oscila entre o mundo dos vivos e dos mortos. Sinto que não deveria lutar tanto, afinal, o que me espera se abrir os olhos? Eu queria realmente abrir os olhos? Enfrentar um mundo onde todos mentem para mim, sou a piada e a coisa mais próxima de tenho de uma família é um garoto ferrugem que assedia seus colegas na aula de esportes e um poltergeist que pode me matar a qualquer momento. Não queria lidar com o mundo lá fora, encarar meus desafios e resistir um a um a eles. Mas também não queria morrer. Não quero morrer.

O ar invadiu meus pulmões violentamente, como um desfibrilador queimando minha carne com um choque elétrico. Doeu tanto que não fui capaz de respirar por alguns instantes, foi então que notei, estava viva

O tempo não pode ser medido apenas em horas, minutos ou dias. Tem de ser visto como momentos também. Como uma mãe conta o início de sua felicidade com o nascimento de seu filho, ou uma garota conta o inicio da sua eternidade com o seu primeiro amor. O tempo parou para mim quando apaguei ao pé da escada e só voltou a correr quando acordei na enfermaria. Zonza o suficiente para não me importar com tamanha agulha inserida em meu pulso.

Abri os olhos algumas poucas vezes, acredito ter ouvido a voz de Martha e da enfermeira. Elas diziam que eu iria ficar, acariciavam o topo da minha cabeça e então sumiam ou talvez eu voltasse a dormir, foi assim até sexta feira, quando consegui focar o olhar no relógio de parede a minha frente, era pouco mais de onze horas da manhã. A enfermeira se curvou sobre mim analisando meu rosto, apertou meu nariz e colocou um aferidor de pressão envolta de meu braço. Eu realmente acreditava que ela tinha oitenta anos, seu rosto era cheio de rugas e ela cheirava a naftalina, muito me admirava ela ter colocado o aparelho no meu braço e não em meu pé. 

- Sua pressão voltou ao normal, isso é bom. - constatou tirando o aparelho.

-Quanto tempo eu apaguei? - minha garganta arde e faço uma careta.

-Mais de vinte quatro horas, os remédios lhe deixaram sonolenta. Foi uma queda feia menina. - apontou para o meu tórax - Vai perceber quando o efeito dos remédios passar.

Analisei meu corpo, até onde meu pescoço alcançava. Não conseguia ver nada pela manta que o cobria, sentia apenas uma leve ardência nas juntas, mas nada que me fizesse resmungar de dor, estava bem. Pelo menos até então. Dorothy trocou mais algumas palavras comigo e deixou a enfermaria. Tive a curiosidade de explorar o lugar, mas não pude levantar. Era uma sala atrás do pequeno escritório de emergência que ela costumava atender, três outras camas a minha volta completavam o número de leitos. Tomara que nunca tenhamos um desastre ou estaríamos fodidos com primeiro atendimento.

Desbravando a sala acabei mirando o rapaz apoiado ao separador de plástico dos leitos, amontoado próximo a porta. Ele me encarava com os olhos atentos, ao perceber que o via ele sorriu e veio em minha direção. Ergui a mão sinalizando para que não se aproximasse quando ameaçou. Sua expressão desmanchou em decepção.

-O que houve Milady? - perguntou intrigado. Não respondi. - Como se machucou, foi Leslie novamente? Posso dar um jeito nisto, ela não pode lhe machucar. - comprimi os lábios me lembrando das coisas que era capaz, por mais que odiasse a ruiva, não lhe desejava uma morte brutal. Permaneci em silêncio, ficou irritado e tentou avançar novamente recebendo nada mais que o meu gelo. Me recuso a falar com ele, ouvir mais mentiras.

Calou-se então. Permaneceu no quarto me encarando, velando meu corpo mesmo sem qualquer interação. Dorothy anunciou a presença de Tim e sumiu tão rapidamente quanto apareceu. O garoto entrou no quarto, um pouco desajeitado tentando organizar os fios de cabelo que caiam sobre seus cílios. Aproximou-se da maca ao lado do direito e lançou-me um sorriso reconfortante.

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