Heloise P.O.V.
7 de novembro de 1865
Algumas decisões não precisam ser analisadas mais de uma vez, ou você pode ver um erro nela, e isto era exatamente o que não queria. Voltar atrás, desistir da chance de ter tudo que sempre sonhei. Um futuro glorioso, com luxo, em uma cidade grande e com um homem que me amaria tanto a ponto de dar me diamantes a cada semana. Eu queria tudo. Amor. Sorte. Desejo. E sabia que apenas uma pessoa poderia me proporcionar isto e esta pessoa não era Justin, o rapaz que deixava minhas calcinhas molhadas mas jamais seria capaz de dar-me um futuro digno. A simplicidade não fazia meus olhos brilharem, morar em uma casinha, ter filhos e andar descalça em uma cozinha? Isto não era futuro para mim. Ainda que minha família fosse rica eles certamente me deserdariam por dormir com um empregado. Não seria uma Chermont se estivesse com ele, e nada além disto me interessava.
Retiro a vigésima sexta página de meu diário e me sento na mesinha do escritório de meu pai. Ele estava ocupado nos arredores da casa e não se importaria com a minha presença ali. Molho a ponta da pena dentro da tinta azulado começando a escrever. Por mais que minha ambição falasse mais alto imagino que seria menos doloroso ao rapaz ter uma carta em suas mãos quando acordasse a amanhã e se desse conta de que não estaria mais na casa. Ele era uma boa pessoa, até demais para a minha alma desviada. Generoso, gentil, educado e apaixonante. Mas não era o suficiente, pois ele não tem um nome, dinheiro. E um homem sem essas duas coisas não é nada para mim. Nada. Como um vestido bonito que nunca poderá entrar em sua silhueta gorda. Justin poderia ser o que queria, mas não era o precisava.
Dobro a folha amarelada em quatro partes. Guardo a tinta e a pena e por último carimbo a carta com o brasão da família. Caminho em altiva para fora do escritório segurando a lateral do vestido que insistia em arrastar. Faltava alguns minutos para o sol se por, minhas malas já estavam prontas e mamãe andava alegre pela casa anunciando as cozinheiras que haveria uma jantar de despedida para mim, e que fizessem minha sobremesa favorita. Recebo um beijo no rosto sorridente antes de subir a grande escadaria até minhas acomodações, onde permaneceria até o anúncio do jantar, não estava nem um pouco dispostas a suportar a falsidade de minha tia que certamente estava se roendo de inveja por ser eu a escolhida do filho do Barão e não a esquisitinha que ela tinha como filha. Com sorte a menina conseguiria um marido colcheiro, e talvez nem ele suportasse sua cara feia e os trinta centímetros de corcunda que ela carregava.
Após uma bela torta de morangos e exatamente duas taças de champanhe que papai me deixou experimentar, ao menos foi nisto que ele acreditou, o jantar se findou. Recebia alguns conselhos descabidos de um primo que estava passando as férias em nossa casa, ele era um varetas bigodudo. Ao menos não teria que suportar as visitas inconvenientes de meus muitos parentes que por alguma razão achavam que nosso casarão era algum tipo de colônia de férias. Este pensamento fazia um sorriso de ponta a ponta surgir em meu rosto. Espero que todos estejam em seus devidos cômodos e deixo o meu levanto a carta de Justin escondida em meu robe de seda. Aquela hora ele estava terminando seu trabalho com os cavalos e iria se lavar em seguida. Como na primeira vez que o vi. Seu quarto ficava nos fundos da casa, além da dispensa. Era isolado dos demais empregados por motivos estabelecidos por meu pai em sabe-se lá em qual circunstância.
Empurro a porta de madeira que range em um miado, o quarto esta escuro, mas não impede que eu caminhe até a cama do rapaz e deixe o papel. O seu perfume rústico tomava conta de todo o ambiente, era puro testosterona e uma pitada de hortelã. Ele sempre estava mascando as folhinhas. Acabo me sentando em sua cama, o colchão fino e consideravelmente duro tinha sido palco de belos momentos e naquele instante me dava conta do quanto sentiria falta aquilo. O ambiente era tão simples quanto o celeiro, na verdade acho que papai tinha investido muito mais dinheiro no celeiro, naquele cubículo havia apenas sua cama coberta em lençóis velhos, um armário de duas portas que não caberia meia dúzia de meus vestidos, uma mesa com objetos os quais nunca prestei atenção e uma cadeira consideravelmente torta aos meus olhos, fora isso a decoração se resumia as roupas surradas dele espalhadas pelo ambiente. Era pouco, muito pouco, mas chegava a realização de que sentiria falta.
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Página Vinte Seis
Mystery / ThrillerSeja bem vindo a Chermont ! Um internato para adolescentes renegados por suas famílias. Onde qualquer insanidade se transforma na melhor distração. O lar de criaturas que se escondem nas sombras e te enfeitiçam com sua luz. Almas solitárias...