1927, IRLANDA
Permaneço aqui, observando-a de longe. Azazel não pode se aproximar de mim, é incapaz de me ver ou sentir porque sou o véu da existência. Mas isso foi inútil porque mesmo assim assisti meu irmão ser atravessado.
Azazel está frente a ela, segurando o colar de Lorenzo entre os dedos enquanto o entrega à mulher de cabelos marrons pintados e cortados acima dos ombros. Teodora está diferente, mais do que nos tempos anteriores, pois agora tem pleno conhecimento do que se trata a energia que tem em mãos.
Quando essa terra surgiu, um pedaço de quase todos nós a acompanharam. Nada entra ou sai sem que Azazel permita e isso deixa a maioria preso do lado de dentro ou de fora. Eu, por outro lado, não posso ser vista ou sentida por ele, então caminho por tudo. Assisti a tudo. Isaac era um outro que quebrava as regras dessa terra, porque Teodora não trouxe uma parte dele consigo. Quando se partiu, meu irmão era o motivo, e ela o odiava com intensidade. Ser odiado por Seth é quase como um carimbo dourado, inédito e terrível. Entendo que ele tenha vindo aqui, se arriscado para se desculpar com ela, mas sempre foi mais inteligente que isso. Isaac sabia que Azazel sentiria sua vibração celestial e o encontraria, mesmo assim resolveu tentar. Meu espírito dói por ele. Porque todos sabemos que ele nunca teve culpa em ser quem era e Seth entendia isso, no fim, que nunca entendeu foi Lorenzo.
Em pouco tempo, uma grande alma ocupará essa terra, aquela que fecha o ciclo da era. O primeiro ser criado por Deus e aquela que mandou Seth para o inferno. Eloísa. E tudo acabará para todo o sempre.
— Por que eu? — Pergunta Teodora em direção ao homem negro que tem as asas escondidas e usa um terno preto.
Sua cabeça já não dói nem um quinto do que doeu na primeira vez que se encontraram e agora, pegando o colar de Lorenzo nas mãos, diz:
— Você me olha com... Admiração. É mais assustador do que antes. — Seus lábios estão pintados de vermelho e ela usa um casaco grosso e branco, o que deixa o batom em um contraste ainda maior com o resto de seu corpo. — Por quê?
Azazel sorri. Ele é assim. Alegre, calmo e fiel como nenhum outro no universo. Ele não a toca, pois não quer causar dor a ela. Azazel a ama, de maneira pura e genuína, e quer proteger Teodora e seu desejo até o fim. Esse é o problema. Ele não a escuta como nós. Não sabe que ela clama por socorro internamente, que voltou atrás e se arrepende de ter se partido. Ele é parte dela e, no mais profundo do seu coração, também implora por ajuda, mas sua lealdade é um monstro muito maior e poderoso.
— Você me pediu para fazer tudo isso — sussurra. — Você e Lorenzo querem isso. A liberdade de vocês, agora e sempre.
Ela sempre faz essas perguntas quando os ciclos se reiniciam, e Azazel sempre responde da mesma forma, mesmo que suas palavras se troquem a cada vez. Estamos em um jardim, bonito e cheio de flores brancas e amarelas e uma outra pessoa se aproxima. Os olhos grandes e castanhos, os cabelos curtos e cor de chocolate e o sorriso torto em direção a ela. Olha para mim, como da outra vez, a sombra aos pés de Teodora.
Tenho pouco tempo. Minha energia está morrendo e eles estão me chamando na outra terra, preocupados com a minha sobrevivência. Preocupados com o fim dos tempos.
Mas não posso ficar lá e assistir, literalmente, tudo acabar. A única coisa que preciso é salvar Lúcifer. Ele sim é capaz de aguentar o equilíbrio sozinho, não eu.
Teodora. Ela é a única que pode entrar no local onde Lúcifer está preso e só tenho uma chance. Meus raios precisam alcançá-lo e só assim posso entender como tirá-lo de lá. Os maiores problema desse plano são que estou fraca demais e Teodora não tem motivos para abrir um submundo que nem ao menos se lembra que criou.
Azazel está olhando para mim agora. Consigo escutar os gritos mais baixos de seu inconsciente através de seus olhos.
— Azazel — diz a voz da nova pessoa. Ela cruza os braços, olha Teodora e depois encosta sua cabeça no ombro da mulher de cabelos vermelhos pouco abaixo dos ombros. — Finalmente vou te conhecer — e não tira os olhos dele.
Pergunto-me quanto tempo ele levará para notar que essa mulher não tem sombra. Notar que meus raios são incapazes de atingir algo que não está aqui de fato. Aquela de energia única, que assim como eu existe e não existe ao mesmo tempo. Que ocupa um local grandioso no universo por ser a força do elo de equilíbrio.
— Mealíosa! — Ele sorri, empolgado, e estende a mão para a garota um pouco mais baixa que Teodora. Ela aceita seu gesto e devolve um sorriso. — Teodora me falou sobre você — e olha Teodora.
É sempre engraçado. Azazel sabe que a energia de Teodora a cerca, mas, ainda assim é limitado como o resto dos seres celestiais. Todos menos eu e Isaac. Seth também a veria com clareza, é óbvio, mas precisaria estar completa para isso. Agora que meu irmão está preso, eu sou a única que pode ver esse ponto brilhante bem no lado esquerdo do seu peito.
Quando decidi descer à terra, já sabia que era ela. Isaac também, mas quis uma oportunidade de se despedir de Teodora porque não acha que o plano dará certo. O que ele não entende é que essa é a ordem das coisas. Nós três somos o que mantém tudo unido e às vezes se quebrar faz parte. É a minha vez.
— Cabelo bonito, Azazel — digo em direção ao homem careca, que se vira em na minha no exato instante que o atravesso com a lança de zinco que roubei de Lorenzo na última vez que o encontrei. — Eu te trouxe um presente.
O sangue dele escorre por minha mão direita e a enfio mais fundo, garantindo que ele vá até Isaac, seja lá onde esteja. Olho para Teodora e Mealíosa, boquiabertas, com as mãos dadas enquanto dão passos angustiados para trás. Queria, infinitamente, ter tempo de explicar do que se trata essa intensa confusão, mas sei que seria impossível. Estou olhando nos olhos multicores dela quando removo a lança de zinco Azazel. As consequências cairão sobre mim pelo uso dessa arma, mas meu único objetivo agora é garantir que Isaac saia de sua prisão. Não quero que Azazel fique do outro lado, já me mostrou o que desejava saber, me permitiu ver Isaac e isso era tudo o que queria. O corpo dele cai e se contorce no gramado muito verde e vivo, buscando se recuperar, e eu caminho paciente até Teodora.
— Oi, Seth — digo em um tom mais travado do que planejei.
Com uma mão, seguro a lança de zinco entre meus dedos banhados pelo sangue de Azazel. Com a outro, retiro os óculos escuros que escondem meus olhos e a face de Teodora se modifica por completo. Ela deixa a impactada Mealíosa de lado e se aproxima de mim, coloca as duas mãos sobre o meu rosto como Isaac fez da última vez. Sei que me reconhece, mas que está confusa demais para entender. Ela não me olha como uma parte sua, nascida de um de seus chifres no Éden original. Está me encarando como Coco, uma amiga que não vê há anos.
Um tempo atrás, eu vivi perto dela. Fui uma amiga próxima, na França, e ela me chamava de Coco. Nem mesmo Isaac sabia qual era meu pedaço que Teodora havia trago para essa terra, mas ela não esquece de mim e nem mesmo de como nossas vozes se completam na eternidade.
Só espero que me perdoe pelo que farei a seguir.
Teodora está perto o suficiente. Suas mãos erguidas, os olhos doces dentro dos meus, que derramam pesadas lágrimas. De sua boca, agora sai uma saliva avermelhada pois acabo de enfiar a lança de zinco em seu coração.
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FUGITIVOS DO INFERNO 02 -Triângulo Da Morte [EM ANDAMENTO]
ParanormalATENÇÃO: Esse é o livro 2 da duologia "Fugitivos Do Inferno", o livro 1 se chama "O Ciclo Da Era" e você pode ler antes desse :) Em 2083, um fractal do ano que o ciclo se completou, os três têm uma chance de sair desse mar de reencarnações no qual e...