XXXIV. Teifeach

136 19 4
                                    


1927, IRLANDA


Um fractal. Um encontro.

Teodora não se lembra do nosso. Azazel, sim, e ele agora tem medo de mim. Porque sabe que, mesmo não tendo autorização de usar uma lança de zinco, consegui. Isso significa que uma das partes de Seth deixou. E, não sendo ele e nem Teodora, só restou uma delas.

Teodora e Mealíosa estão deitadas juntas em uma cama macia de lençóis brancos. Importante ressaltar que a mulher irlandesa de dentes tortos ainda não sabe a verdade sobre aquela com quem já passa a noite junto há anos desde que se conheceram na França. O amor delas é escondido, porque é proibido, mas mais um segredo não faz diferença na vida da fugitiva.

Aquela que naturalmente tem cabelos vermelhos, mas continua pintando de marrom, se levanta e começa a se vestir. O apagão em sua memória a incomoda demais, mas lembra muito bem da conversa que estava tendo antes dele. No chão, perto de suas roupas, há um colar igual a um outro que carrega há 52 anos. A energia dele é um pouco diferente do que já tem, mas não consegue explicar em palavras o que sente com ele. Teodora precisa ser rápida. Às duas da tarde sai o barco de Dublin e ela precisa estar lá dentro, em direção à França, onde o momento que espera por muitos anos irá se repetir. Ela vai rever Lorenzo.

Mealíosa acorda-se no instante que Teodora está terminando de fechar sua mala de mão pequena e preta.

Ela não ia se despedir porque pretende voltar, afinal, se sente feliz morando na Irlanda perto de Louis e a mulher que está a encarando confusa. Na verdade, Teodora não consegue mais lembrar de um dia que esteve tão feliz. Talvez, naquele prostibulo em 1875, mas tudo depois dele desandou de maneira absurda, então prefere não ficar revisitando essas lembranças.

— Teifeach (fujona) — fala Mealíosa, sabendo que a fama de pular de galho em galho de Teodora não nasceu hoje. — Você iriasem me acordar?

— Meu amor, são só três dias — sussurra ela, e se senta na cama. Sua mão acaricia os cabelos da outra mulher. — Tem certeza de que não quer vir? Falei de você nas cartas. Lorenzo iria adorar te ver pessoalmente.

Mealíosa mantem-se cala, pensativa. Havia dito não duas vezes, mas agora que de fato Teodora está indo, parece que seu coração não quer se afastar nem por três dias. Beija a palma da mão daquela de olhos diferentes e se senta.

— Por que ele não vem a Dublin? — Pergunta, Teodora suspira alto. — Fala tanto dele e ao mesmo tempo não diz nada — lamenta a mulher, removendo a mão da outra de seu toque. — Eu vou — declara, e o sorriso de Teo a conforta. — Nunca vou conhecer ele se não for, já entendi.

E Teodora queria que Lorenzo viesse a Dublin, mas ao mesmo tempo quer deixar os dois pontos de sua vida separados, já que uma parte dela já havia se chocado por completo assim que chegou na Irlanda.

Louis não era rico, mas também não era pobre. Ele e a esposa, Niamh, já tinham cinco filhos, tendo três anos o mais novo, e moravam no subúrbio de Dublin, no distrito 4, em Rathfarnham. Não é muito difícil imaginar o espanto da esposa de Loius ao se deparar com Teodora, afinal, não se viam desde que deixaram a Inglaterra em 1898, depois do casamento. Niamh já tinha seus peitos caídos, marca dos trinta e cinco anos no rosto, uma criança pendurada no braço e uma bagagem muito extensa de arrependimentos. Esse último era a única coisa em comum entre as duas mulheres que se encararam por cinco minutos na porta sem que nenhuma palavra fosse dita. Atrás de Teodora havia uma mulher. Um sessenta de altura, pele muito branca e com sardas, uma tolerância admirável ao frio e olhos marejados. O espanto de Niamh não foi tão grande para com Teodora porque Mealíosa estava com ela no instante que bateu na porta de Louis. Niamh não via sua filha mais velha desde 1916, quando essa fugiu de casa aos dezessete anos para se unir aos rebeldes pela independência da Irlanda do Reino Unido e que gerou na uma rebelião liderada por Patrick Pearse. Todos souberam do número de mortos e, quando foi procurar pela filha e não a encontrou, teve certeza de que seu corpo estava perdido entre os defuntos. Morta executada assim como o líder a rebelião. Possuía até um túmulo no cemitério da cidade e, de repente, estava diante dos seus olhos. Mais de dez anos depois. Vivo.

FUGITIVOS DO INFERNO 02 -Triângulo Da Morte [EM ANDAMENTO] Onde histórias criam vida. Descubra agora