Não leia o Prólogo

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Música indicada: Infections of a different kind (Aurora)

Esperou tanto tempo por esse reencontro. Eloísa anseia por seu toque com todos as células do corpo. Nutriu a saudade por tantos anos que já não lembra como é estar longe dela, mas agora, prestes a reencontrá-lo, não se importa em matar esse sentimento doloroso que a afoga.

Sabe que esse será apenas o primeiro passo de uma árdua batalha que os espera, mas seus olhos ardentes em um amarelo que ocupa toda a íris focam na porta de madeira daquele lugar subterrâneo e ela treme de ansiedade. Agora, tudo o que rege seu corpo é esperança. Desde que o ritual havia sido feito e seus corpos se perderam na eternidade, Eloísa espera por ele. Lorenzo tinha se sacrificado e aceitado queimar novamente no inferno por ela, mas de fato nada passava de um plano muito maior e terrível. Quando abriu os olhos nos confins daquele lugar que diziam maldito, notou que não tinha nada de destino e muito de manipulação em todos os movimentos anteriores. Por isso, mesmo estando em casa, optou por voltar à terra em seu futuro destruído e tentar mudar as coisas. Salvar a humanidade e os seres celestiais do bestial destino ao qual estão presos.

A mulher está de pé, descalça na terra molhada e nua. Os cabelos já foram de um loiro claro, mas perderam sua cor ao longo dos anos, atingiram um tom branco como a espuma do oceano e estão longos ao ponto e alcançarem suas coxas. Os chifres de cada lado de sua cabeça são escuros e cresceram vagarosamente a partir do décimo ano, mas já atingiram seu ápice aos de centímetros e suas pontas se curvaram levemente para dentro. Seus olhos, hipnotizantes como o sol em fim de tarde, estão aflito e seus cílios de cor batem depressa, guiados por um desejo que há acompanha há muitos anos.

A única coisa que teme de fato é de não serem rápidos o suficiente para encontrá-la. Esse medo a assusta porque não há nada que sua memória mantida e seus poderes transcendentais possam fazer para de fato para convencer a terceira parte a retornar ao seu local, o mais temido em todo o universo. Nenhuma palavra que deixar sua boca será o suficiente, sabe disso. As memórias vivas de torturas em um local muito diferente do inferno e o pavor do fogo que nunca foi real, são fortes, e Eloísa também não cederia se fosse o contrário. Por isso não está sozinha.

Foi árduo o trabalho dos demônios para acordá-la após o ritual. Seus olhos se abriram no inferno, mas Eloísa não o temeu. Como alguém poderia sentir medo da própria casa? Estava rodeada da mais bela plantação que já estivera e só quando sua memória, aos poucos começou a retornar, se deu conta da ilusão que todos da terra estavam fadados a reviver ciclo após ciclo. Um medo nutrido pelo desconhecimento e manipulação daqueles que um dia já foram moradores dali. O inferno nunca teve algo de pavoroso ou terrível, senão o mais completo contrário, já foi o lugar mais bonito que qualquer um poderia habitar. Mas a cada ciclo se deteriora mais e fica mais próximo daquele que todos temem. Há partes já inabitáveis graças ao fogo, mas ninguém nunca chegou a de fato queimar. E, enquanto houver forças dentro dela, nunca deixará isso acontecer.

Existiu uma consequência positiva do ritual de fechamento do ciclo. Os seis demônios do sacrifício, que antes estavam presos a uma série de ilusões terríveis que os atormentavam para que ajudassem naquele processo, assim como todos os outros, estavam livres para pensar e se lembrar da tríade. Porém, todos os outros irmãos ainda estavam presos na terra e vivendo em eterna agonia, pensando que os culpados de seus sofrimentos são os humanos. Gerando as maiores catástrofes, punindo em busca de vingança os inimigos errados, tornando as terras um local deteriorado e perdido.

Por cento e quatro anos celestiais, o equivalente a cinquenta e dois anos terrestres, viveu entre os seis demônios que sabiam a verdade. Aqueles viram como a vida como pode ser, sentiam os aromas dos pomares e o sol, que na medida certa, atingia seus rostos. Fica triste ao lembrar de todos aqueles que ainda sofrem sem lembrar de casa. Em pouco tempo, tudo recomeçará, e a mentira instalada por milhões de anos será perpetuada. Os demônios ficarão ainda mais distantes, como os humanos, e seu lar se transformará em cinzas. O ciclo de reencarnações no qual está condenada junto àqueles que mais ama, será mais uma vez completo e, como em outras vezes, o inferno se decairá mais. Ela precisa impedir, ou pelo menos tentar. Porque, se não for rápida o suficiente dessa vez, não haverá mais uma oportunidade. O último ciclo da era está tentando se fechar e, se isso acontecer, nada será como antes.

Eloísa tinha o conhecimento que foi roubado dela, mas sabia que quando voltasse para terra, parte dele seria novamente apagado. Lorenzo já estava lá, vagando como se ainda fosse um fugitivo, com as memórias dela apagadas e achando que Teodora queimava no inferno por sua causa. Ela sabia que não. Ninguém estava queimando ali. Os demônios o perseguiram ao longo dos anos, tentaram levá-lo de volta para casa, mas é obvio que o homem era muito bom em fugir. Então ela apenas entendeu que precisaria fazê-lo lembrar só quando estivesse na terra novamente e enquanto não, infelizmente, ele teria que viver sozinho e sem esperanças. Meio século de sofrimento interminável.

Quando sua memória voltou completamente, quase dois anos depois que acordou, soube qual havia sido o elo quebrado no inferno e que os condenou a uma eternidade de ilusões. Para que a terra e o inferno possam viver em paz, com humanos e demônios que viajam entre os mundos, as três partes precisam estarem unidas. Yin, Yang e energia do elo. Juntos, podem reestruturar as noções de vida e morte. De terra e inferno. O fim do ciclo, o retorno do triângulo. Tinha certeza de que Lorenzo não seria um problema já que o sacrifício os uniu. Ele só tem que reencontrar sua energia, originada do pingente de coração que Lorenzo usava no pescoço durante ritual, aquele que ela tinha um igual, Eloísa só precisa incrustá-la em sua testa para lembrá-lo. Esse não é o problema.

A terceira parte é a questão. O elo. Eloísa não sabe qual é sua energia celestial, como encontrá-la ou se um sacrifício virá de sua parte para que os três se conectem. Tem plena consciência de que irá precisar de muita energia, Lorenzo e sorte.

2083 não foi um ano aleatório. Cinquenta e dois anos depois do ciclo, é um fractal. Somente neles há energia suficiente para que tudo possa se alinhar novamente e a energia celestial da outra ser encontrada. Ela aguardou pacientemente e torceu para que grande parte de sua memória fosse mantida em seu retorno. Os seis demônios a acompanharam e Eloísa surgiu na terra que não conhecida, torcendo para ser encontrada por eles. E foi.

Suas mãos tremem e ela olha para Pitt, exatamente à sua direita, seu mais fiel companheiro em sua centenária vida no inferno. Foi um dos seis libertos no sacrifício e garantiu que Lorenzo viesse ao encontro dela. À sua frente, Eloísa observa os outros cinco possuidores de asas negras que anseiam pela libertação de seu lar no seio da eternidade transcendental.

Quando o corpo dele ocupa o pequeno espaço, quilômetros abaixo da terra, as asas se forçam a sair e a mulher não as prende. Expõe sua magnífica glória em asas pretas que brilham como a opulência das mais perdidas trevas. Com dois metros de largura e quase cinco de altura, sua parte antes perdida parece ter vida própria ao se movimentar com suavidade na presença dele. Eloísa se movimenta em sua direção sem que seus pés toquem o chão de terra. Ele a olha assustado, não reconhece aquela à sua frente e encara Pitt, sentindo-se traído.

Quando está frente a ele, Eloísa leva os dedos finos da mão direita até a peça de dois centímetros redonda encrustada abaixo de seu pescoço, entre as clavículas. Sua energia, o material de poder inestimável, brilha e ilumina todo o local que antes só tinha luz das velas. Os demônios presentes se ajoelham instintivamente e ela, sem dizer sequer uma palavra, encosta os dedos da mão esquerda na testa do fugitivo assustado, dando a ele toda a energia de sua alma, fazendo-o sentir sua presença como nenhum outro poderia. Mostra o poder de sua metade a Lorenzo, que já havia se sacrificado por ela e o convida a ressuscitar suas asas e todo o poder escondido em seu ser.

A joia que pertencente a Lorenzo então se incrusta em sua testa e brilha na mesma intensidade da dela. Yin e Yang nunca estiveram tão encaixados quanto neste instante.


FUGITIVOS DO INFERNO 02 -Triângulo Da Morte [EM ANDAMENTO] Onde histórias criam vida. Descubra agora