CHAPTER FOUR, FRISCALATING

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      Minha cama é o galho do salgueiro, enquanto meu cobertor é a névoa espessa que surge conforme a noite esfria cada vez mais

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      Minha cama é o galho do salgueiro, enquanto meu cobertor é a névoa espessa que surge conforme a noite esfria cada vez mais.
      Pluvia adormeceu antes mesmo de eu ter a chance de reclamar sobre ter sido escolhida para ajudar no festival do solstício de inverno, mas, de qualquer forma, o que eu poderia dizer? Ainda não posso contar para ela, nem para os outros. Eu vejo como tratam a senhora amiga da mãe de Veuria. Ela sequer pôde levantar da cama para participar do Folieci. Não quero ser rodeada, sufocada por flores e presentes e gentilezas nos últimos meses de minha vida.
      As silhuetas que ainda dançam ao redor das labaredas lançam sombras que rodopiam sobre meu corpo aninhado nos galhos do salgueiro, a cabeça apoiada no braço dolorido. Posso ouvir os murmúrios de Pluvia, logo acima de mim, agarrada à árvore na qual dorme, perdida nos sonhos que escapam por entre seus lábios na forma de sussurros inaudíveis.
      Os fantasmas já não acompanham mais a minha percepção, foram embora há muito tempo, e talvez seja melhor assim.
      Minhas pálpebras pesam tanto quanto pedras, tornando impossível permanecer atenta ao festejo que ainda acontece abaixo de mim. Só espero ter enterrado o suficiente para uma noite a mais longe do espectro de meu infeliz cobrador.
       Presa pelas paredes de minha própria mente, trancafiada dentro de meu subconsciente, me encontro no mesmo lugar onde vou estar em um futuro não muito distante.
      As linhas vermelhas me cercam, mais grossas e esticadas, tapando qualquer luz que venha do lado de fora do casulo rubro. Entre as cordas, os cadáveres de meus amigos descansam, amarrados pelos pulsos e pendurados nas paredes do novelo sangrento.
      Não, eles não estão mortos. Estão respirando, vivos.
      Observo o inflar dos peitos aprisionados, subindo e descendo com o ar que entra nos pulmões, antes de começar a puxar seus casulos. Libertá-los significa romper suas ligações com o mundo dos vivos. E embora eu tente me afastar, meu corpo não me obedece, as unhas forçando as cordas até os dedos ficarem em carne viva.
      Eu grito com as linhas, tão vermelhas quando o sangue em minhas mãos, mas nada muda. Meus movimentos são ditados por outra pessoa, por outra coisa, e não me é permitido qualquer tipo de decisão em relação a isso. Tudo o que me resta é gritar e gritar e gritar, mas nem mesmo as lágrimas conseguem se formar enquanto despedaço as cordas de Edmond, rasgando seu futuro e destruindo o meu no processo.
      Nossos gritos são um coro infernal, presenteando meus ouvidos com um zunido baixo que ecoa dentro de meu crânio. As veias de seu pescoço parecem prestes a saltar para fora, formando um buraco logo acima da clavícula. Ele esbraveja sem qualquer critério, berrando para que eu pare, tão alto que o som de sua voz se torna uma tortura insuportável, como se tentasse estourar meus ouvidos para me manter longe, e poderia funcionar, caso eu estivesse no controle, mas meu choro desesperado é o máximo que posso oferecer enquanto meus dedos continuam o trabalho infeliz.
       O lamento é ensurdecedor, porém a angústia com a qual ele implora para que eu pare não é suficiente para quebrar as mãos que comandam meu fantoche. A cada corda que arranco da teia que o envolve, sinto a dor, o medo, o pavor que ele faz questão de mostrar aos berros, e é como se meu coração fosse arrancado do peito e estraçalhado por uma besta faminta enquanto sangro silenciosamente.
      — Eu sinto muito... Eu... — As palavras têm gosto de sangue, descendo garganta abaixo a cada vez que surgem na ponta da língua e morrem com as lágrimas que se libertam aos montes, queimando meu rosto.
      Edmond trinca os dentes, as veias do pescoço estão tão esticadas que me dão medo. Quero gritar, espernear, simplesmente parar. Mas não consigo. E quando solto a última corda, posso sentir uma parte de minha alma se partindo.
      É tarde demais. As linhas de meu fantoche são rompidas, me devolvendo o controle no momento em que meus joelhos cedem e encontram o chão, diante do corpo que agoniza em silêncio. Minhas mãos disparam até o rosto dele, as pontas dos dedos em carne viva queimando conforme tento limpar o sangue que sai de seu nariz, boca e ouvidos, mas apenas o espalho mais, manchando sua face com o carmesim mórbido. Edmond tenta falar, os olhos cada vez mais vermelhos e doentios me encarando entre o ódio e o lamento, mas o sangue prende as palavras em sua garganta, deixando-as para morrer sob o líquido rubro.
      Meu choro logo se torna um ruído entre os gritos que se voltam contra mim. Pluvia, Macaire, Eden, Falena, Veuria, Kiran, Fierce... até mesmo Murnia esbraveja o máximo que pode, chutando o ar e me xingando de dentro de seu casulo vermelho. Todavia, os berros são silenciados pelas cordas que se partem por todos os lados, golpeando seus rostos furiosos com o ricochetear lúgubre.
      Em poucos segundos, a teia reforçada que nos guarda é rasgada e picotada por garras invisíveis que selam o destino de minha única família. Tento ficar em pé, mas minhas pernas me traem e deslizo pelo sangue. O cheiro metálico se instala em minhas narinas, enquanto esfrego as mãos no corpo na tentativa falha de limpar as manchas rubras. Quanto mais tento, mais o sangue se espalha pelos meus braços, preenchendo os espaços de pele entre as inúmeras pintas de minha armadura, pintando minha alma com as vidas perdidas.
      Então as cordas me amarram, como uma aranha prendendo uma mosca em sua teia, e posso ver Clément se aproximando, mudo como a cobra que ele é. Seu silêncio me abala, e minha cabeça gira. Clément sequer termina de saborear minha derrota, antes de tocar minha testa e me enviar para um mar de escuridão.

Crimson Hauntings and Oath Shadows - CHAOS (Concluído)Onde histórias criam vida. Descubra agora