CHAPTER TWELVE, SKJULESTED

269 45 13
                                    

      A orquestra me perturba até mesmo no campo florido, por onde os caçadores voltaram uma hora atrás

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.


      A orquestra me perturba até mesmo no campo florido, por onde os caçadores voltaram uma hora atrás. A música ecoa pelos meus músculos, invadindo minhas veias, inundando meu corpo. O som pulsa por debaixo de minha pele, como se as cordas dos violinos fossem meus nervos, e os tambores, meu coração.
      Se eu me concentrar um pouco, posso sentir cada nota sendo entoada dentro de mim.
      Pluvia ainda me vigia feito uma coruja, seguindo cada movimento que faço, vez ou outra procurando por um olhar delator em minhas órbitas cansadas.
      Minha única sorte é Veuria, que a mantém distraída na maior parte do tempo, narrando as aventuras da jornada de duas semanas como um pescador depois de uma noite no barco.
      Enquanto finjo não ter uma orquestra pulsando em minhas veias, me pego investigando o silêncio de Falena, deitada no chão ao lado de Fierce, ambos sendo engolidos pela vegetação de pétalas amarelas.
      Observando os dois, não consigo parar de compará-los. O corpo albino dela parece o inverno personificado, uma versão mais humana da lua que ilumina as noites claras em Rosetrum. Mas quando deslizo o olhar até Fierce, não vejo nada além de calor, é como se o verão estivesse morando dentro da pele caramelo, permitindo que a luz quente brinque nos olhos quase dourados.
      Olhos esses, me lembro, que presenciaram um incidente do qual seu dono preferiu fugir à enfrentar.
      Uma pontada de raiva me faz piscar, e a música em meus ouvidos parece aumentar com o sentimento de fúria, mas ainda há uma parte de mim – do tamanho de um grão de poeira – que sussurra para que eu entre mais fundo nesse poço, para que eu procure até descobrir toda a história, os dois pontos de vista. E essa parte implora para que ele tenha de fato voltado.
      Falena ganhou uma cicatriz no rosto, um risco rosado e enrugado que corta o canto esquerdo do lábio superior, e se arrasta até um pouco abaixo do olho.
      Julgando pela minha experiência com cicatrizes, foi feita há pouco tempo. Cinco, seis dias no máximo.
      Tentei perguntar sobre a marca, mas o assunto morreu assim que ela resolveu me ignorar para prestar atenção em Lavena, que se juntou à celebração no campo florido, assim como algumas dezenas de outras pessoas, a maioria delas caçadores, que fizeram amizade com a aniversariante durante as semanas fora do perímetro protegido pelos símbolos e pelos ossos.
      Ela não tira os olhos de Lavena desde que a jovem surgiu com um buquê de lavandas de presente para Veuria, mas a figura cheia de cristais brotando pelo corpo sequer nota os olhos fixos de Falena.
      Apesar de ainda não ter largado o isqueiro de Daphna, ela não fica mais brincando com a chama fraca. Na verdade, ela nem parece se importar com o objeto agora.
      Quando as duas chegaram com o grupo de caçadores, Veuria largou tudo no chão para esmagar Pluvia em um abraço – mesmo que quase estragando o bolo que estava em seus braços. Mas Falena apenas forçou um sorriso frouxo que sequer fez questão de erguer até os olhos, e logo se deitou ao lado do circulo festivo, perto o suficiente para participar da festa de aniversário da amiga, porém longe e desinteressada o bastante para não ser incomodada.
      — Então o pesadelo me derrubou e precisei atravessá-lo com a espada para sair dos Campos Sangrentos... — conta Veuria, gesticulando com uma empolgação que explode em seu peito.
      Ela explicou mais cedo sobre essas duas coisas. Aparentemente os tais Campos Sangrentos são como arenas onde aquelas criaturas lutam entre si por território, algo como uma guerra entre as espécies.
      Porém, o que me preocupa é o pesadelo que, ao descrever, ela praticamente narrou meu encontro com aquela criatura além dos limites protegidos.
      Por alguma razão ainda coberta por um véu dentro de mim, afasto a idéia sempre que penso na possibilidade de Veuria ter matado a criatura dos olhos de sol. Não por medo de retaliação ou qualquer coisa do tipo, mas porque ele parecia tão... inocente. Não havia nada além de medo naquele ser.
      Apesar de as duas terem sido aceitas na equipe, considerando as semanas que usaram para testá-las, Veuria é a única que parece empolgada de verdade para a próxima caçada. Falena sequer consegue sustentar uma conversa sobre o que acontecera nos últimos dias.
      Não é como antes, quando ela se trancou em um casulo de ferro e jogou a chave fora por um bom tempo, se despedaçando internamente pela irmã e pela mãe. É diferente do luto que ela tentou superar, ignorando as próprias necessidades, porque quando isso aconteceu, nós sabíamos o motivo, sabíamos o que ela havia perdido no caminho até a liberdade.
      Mas agora, ela tenta esconder algo que voltou consigo da caçada. Pode ser qualquer coisa, desde a causa da cicatriz até uma experiência de dor. Talvez as duas opções.
      E o que me deixa mais irritada é que, apesar de todas as caretas, todos os olhares vagos e o silêncio que engole as palavras em sua boca, ninguém parece notar o problema estampado nos olhos crepusculares.
      Um estalo ecoa pelo meu crânio quando alguém acerta um galho fino na parte de trás de minha cabeça, e ao me virar, dou de cara com um Eden petrificado. Ele apenas move os lábios em um pedido de desculpas enquanto pede silenciosamente para que eu jogue o galho de volta, então retorna aos modos infantilizados, lançando o pedaço fino de madeira no ar, apenas para Macaire emergir das flores amarelas como um cachorro, interceptando o galho com as mãos ágeis.
     De longe, mal consigo enxergar o contorno negro de maquiagem que ele sempre usa ao redor dos olhos azuis.
     É estranho pensar que se eu não tivesse enviado aquela carta, essa amizade nunca teria acontecido entre os dois.
      Murnia estava colhendo algumas flores mais cedo, para dar de presente para Veuria, mas agora está tão cansada de pular pelo campo dourado, que se deitou ao lado do cervo como se o animal fosse um travesseiro acastanhado.
      A música fica mais forte dentro de minhas veias, pulsando e repuxando, implorando pela atenção que não posso dar.
     Estou prestes a levar uma xícara de chá de rosas aos lábios secos, quando uma mão desliza pela minha cintura, traçando um caminho com os dedos até meu ombro.
      Me viro, e posso sentir os olhos de Pluvia e Fierce fixos em mim enquanto sorrio para Edmond. Um, por vigilância e cuidado, o outro, provavelmente por algo que deixou de fazer anos atrás e lhe fora lembrado.
      — Espero poder roubar alguns minutos de sua companhia — ele ronrona perto de meu ouvido, alto o suficiente para que os outros escutem.
      Encaro Veuria e Pluvia, que apenas me lançam um olhar de aprovação, apesar da cautela no rosto da última. Ela não vai esquecer a história da faca tão cedo, muito menos acreditar na desculpa maltrapilha que praticamente joguei para fora pela boca quando surgiu em minha cabeça.
      Falena sequer desvia os olhos vazios dos ombros de Lavena conforme eu me retiro.
      — Caso precise, sei fazer umas poções com poejo e calêndula que são ótimas — provoca Niore, sentado ao lado do primo com um pedaço de bolo em mãos.
      Lavena não faz questão de segurar a risada anasalada.
      — Vá para o inferno. — Edmond ri, apenas.
      — Só estou dizendo. — Niore pisca de um jeito peculiar, dando de ombros.
      A insinuação me deixa levemente desconfortável, mas preciso me acostumar com isso. A maioria das pessoas aqui não têm muito controle sobre a própria língua.
      — Aconteceu alguma coisa? — Procuro por qualquer sinal problemático nas feições etéreas.
      — Você não queria saber o paradeiro do seu cobertor?
      Ergo as sobrancelhas, desconfiada.
      Pensei em simplesmente pedir outro cobertor como aquele para o guarda-roupas mágico, mas não achei que seria necessário, considerando que Edmond prometeu que o devolveria.
      — Vou finalmente ver o que você anda fazendo com as minhas coisas?
      — Essa é a intenção.

Crimson Hauntings and Oath Shadows - CHAOS (Concluído)Onde histórias criam vida. Descubra agora