CHAPTER EIGHT, MALLACHT

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      Eu devia ter ficado em casa

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      Eu devia ter ficado em casa.
      Às margens do lago de ninféias, as duplas já começam a se organizar conforme Mavka passa as regras adiante.
      — Não há perigo algum — ela assegura. — As vinhas vão mantê-los no ar até que vocês tomem a decisão de descer. Quem conseguir pegar o Pássaro Solar, ganha a rodada, contudo, por favor, se forem trapacear, assegurem-se de fazer isso direito, e preferencialmente longe de meus olhos — acrescenta, os lábios levemente esticados com o conselho sarcástico.
      Ela segura a ave arredondada com as mãos douradas na altura do umbigo, e o brilho das penas fluorescentes é refletido nos dedos de ouro de Mavka.
      As duplas foram sorteadas pela jovem matriarca, de forma que Apza estica uma das pernas ao meu lado, os cachos escuros cobrindo o rosto peculiar enquanto ela se alonga sobre a perna esticada, tocando a ponta do pé com os dedos magros.
      — Fiquei sabendo que ela não gostou muito da surpresa noturna — comenta, virando a cabeça para me encarar através das mariposas pálidas.
      Preciso olhar por cima do ombro para encontrar Pluvia entre as recém-formadas duplas que ainda se organizam ao nosso redor. Seu parceiro não faz questão de disfarçar o olhar que mantém nas costas expostas pelo decote triangular que desce até a base de sua espinha, contudo, enquanto Pluvia não aparenta qualquer desconforto em relação à atenção excessiva de um dos amigos mais confiáveis de Mavka, Eden se esforça para manter os olhos do rapaz voltados para si, utilizando qualquer desculpa esfarrapada que consegue encontrar para desviar a atenção de Kaife das costas da garota.
      — Digamos que ela ainda está planejando uma vingança à altura. — Um sorriso desponta de meus lábios.
      Quando a jovem dourada dá o primeiro passo à frente das duplas, sequer tenho tempo de respirar fundo uma última vez, pois logo as mãos metálicas libertam o pássaro fluorescente no ar, e a ave não espera por um adeus adequado enquanto levanta vôo acima de nós.
      Apza não espera por mim, disparando à minha frente e sendo erguida pelas vinhas que vêm ao seu encontro como raios, a levando para o céu, para além das árvores que logo ficam sob seus pés.
      Olho ao redor, mas de todos os participantes, apenas Lavena ainda me faz companhia no chão.
      Sem me dar ao luxo de hesitar por mais tempo, avanço em direção às árvores, ao passo que as vinhas disparam até mim, se enlaçando ao redor de meus pés, apertando minha cintura, e sustentando meus braços. Os primeiros passos no ar são os mais difíceis, porque apesar dos avisos de Mavka e da confiança de Apza – que avança sobre as árvores com os outros competidores ao seu encalço –, o medo de pisar em falso me destrói nos segundos iniciais. Só consigo me libertar após ver Edmond se jogar de um pinheiro altíssimo, e ser interceptado pelas vinhas que o levam até Fierce.
      Os dois mal conseguem viver sob o mesmo teto, mas o destino fez questão de colocá-los juntos na competição. Ao menos desta vez, se um ganhar, o outro consequentemente também ajuda a carregar a vitória.
      Lavena passa por mim como um furacão e, longe dos olhos curiosos que tentam assistir mesmo abaixo das árvores, a garota corta uma das vinhas ao redor de meu braço com um dos cristais cor-de-lavanda que crescem dos cotovelos afiados.
      Em uma fração de segundo, outra linha viçosa se levanta do chão, substituindo a cortada e me elevando ainda mais acima dos corpos que se movimentam sobre a floresta. A altura me deixa zonza, mas ignoro o mundo girando ao meu redor ao enxergar o pássaro fluorescente que foge das mãos aflitas de Kaife.
      Pluvia estica os braços para o lado, lançando um punhado eficaz de vinhas que prendem Lavena em uma jaula verde-escura que permanece suspensa no topo de um carvalho. Ela apenas me oferece uma piscadela orgulhosa antes de subir dois metros e se tornar apenas outra silhueta na noite.
      Um pouco à frente, Apza faz algo parecido com Kaife, atando as mãos ossudas e cheias de veias saltadas com um nó vivo, conforme abraça a distância que a separa da estrela com asas que grita desafinada ao longe.
      Não sei dizer se ela faz uso dos poderes que adquiriu como aprendiz de Mavka, mas certamente não precisa deles para se movimentar graciosamente pelo ar, utilizando as vinhas como escadas para correr entre as árvores.
      Atrás dela, Niore – um dos curandeiros que trabalha voluntariamente na enfermaria, além de ser um dos amigos mais próximos que Edmond conseguiu fazer em Rosetrum – lança uma onda verde em sua direção, um amontoado de vinhas apressadas que eu intercepto no último minuto, cobrindo o trajeto de Apza enquanto posso. O rapaz xinga quando passo por ele como um raio, deslizando até minha dupla por cima da competição, preparada para acabar com qualquer tipo de ameaça que tente tirá-la do caminho.
      Alguns metros abaixo, Fierce empurra Edmond com os ramos vivos, impulsionando-o cada vez mais para perto de seu objetivo brilhante. Ele até consegue tocar um penacho luminoso, mas mergulho no ar antes que seus dedos possam se fechar ao redor do pássaro, prendendo tanto ele quanto o parceiro que mal suporta na mesma rede de vinhas entrelaçadas.
      — Desculpa. — Minha voz ecoa pela noite, embora eu duvide que qualquer um dos dois possa me ouvir com o som constante dos ramos verdes cortando o ar.
      Kaife lança uma chuva de vinhas na minha direção, e algumas das plantas até me desequilibram, mas é Pluvia a responsável pela algema viva que prende meus pés.
      Os dois encurralam Apza na corrida, enquanto tento me soltar sem sucesso algum. A dupla a acompanha de perto, os ombros lado a lado no caminho reto, quase colados em um trio acirrado.
       Então ela faz um último movimento. Apza mergulha entre as árvores, desaparecendo por um momento sob os pés de ambos e presenteando-os com um olhar compartilhado de confusão. Mas quando Pluvia empurra o parceiro para cima do pássaro fluorescente, a garota emerge das folhas como um furacão, erguida pelas vinhas viçosas que permitem que ela agarre o Pássaro Solar com um único golpe.
      Não tenho certeza se meus gritos alcançam seus ouvidos, mas certamente são escutados pelos que desaceleram no ar, parando aos poucos com a derrota.
      Raios de luz dourada explodem no céu, anunciando que o pássaro foi capturado, e posso ouvir os aplausos que vêm de algum lugar no chão.
      As algemas verdes se afrouxam ao redor de meus tornozelos, conforme as vinhas me levam de volta às margens do lago, onde me jogo na grama de imediato, pesada como uma pedra após tanto tempo flutuando como uma pluma.
      Apza toca o chão logo em seguida, dançando com o pássaro entre as mãos, as asas das mariposas em seus olhos farfalham de alegria.
      Mavka não parece se incomodar comigo jogada no gramado, quando utiliza as mãos douradas para indicar tanto Apza quanto eu com gestos exageradamente elaborados, como se estivesse apresentando algum tipo de festival importante.
     — Senhoras e senhores. — A jovem performa uma reverência brincalhona. — Apza Astrenly e Fórzia Lunchióre, as vencedoras da primeira rodada de caça ao Pássaro Solar.
      Meus ossos congelam com o frio da morte, ao passo que encaro Apza com um terror disfarçado. Consigo sentir o sangue em minhas veias se transformando lentamente em pedaços de gelo que ameaçam me rasgar com suas pontas afiadas como facas.
      Ouvi esse sobrenome uma única vez antes disso, em um cenário onde minhas roupas estavam encharcadas e imundas, e minhas mãos manchadas de escarlate, empunhando aquela pedra suja de sangue, a própria mente perdida entre o instinto e a razão à beira daquele lago na floresta.
      Não tenho certeza se ainda respiro, mas dou o meu melhor ao me trancafiar por baixo de uma máscara de naturalidade, quando recebo os aplausos risonhos ao lado de Apza.
      Depois de tanto tempo sendo torturada por algo que me recuso a fazer, descobrir o motivo de minhas noites sem sono é como levar um soco na garganta.
      E Mavka sabe. Talvez tenha descoberto muito antes, ou no mesmo momento que eu, mas penso que a última opção é apenas uma mentira reconfortante. Mavka conhece Apza por tempo o bastante para já ter ouvido sua história, não deve ter sido difícil ligar os pontos quando lhe contei a minha. Ela sabe o que meu desespero significa, ou não estaria disfarçando com um sorriso, o olhar de alguém que acaba de entrar em um funeral.

Crimson Hauntings and Oath Shadows - CHAOS (Concluído)Onde histórias criam vida. Descubra agora