— Não sei o que esperar — digo, encarando o céu e as árvores acobreadas que se erguem ao nosso redor. — Achei que o fantasma de Daphna já estava enterrado.
Fierce suspira, colocando a mão entre os raios de sol e o rosto confuso. Até mesmo seus movimentos são lentos, moldados por leves espasmos.
— Não tenho muitos palpites, mas os que possuo não são exatamente agradáveis.
— Como o quê, por exemplo?
Ele deixa a mão cair sobre o peito, incapaz de mantê-la erguida por muito tempo.
— Não quero criar esperanças. Mas ao mesmo tempo é inevitável.
— Eu estava lá. — Pisco com a claridade que invade meus olhos. — Vi quando aconteceu. Se as flechas não a mataram, o machado o fez. Ela não vai voltar.
— Eu sei, eu sei. Mas existe uma parte dentro de mim, uma faísca minúscula que não me deixa perder a esperança. É cansativo tentar apagá-la.
— É difícil, não é?
— O quê? — Sua voz sai rouca, entre uma tosse e outra.
— Permanecer inteiro. Não deixar o caos assumir o controle.
Ouço a risada tossida, mas quando olho para o rosto onde luz e sombra dançam com o movimento das folhas nas árvores, Fierce parece longe demais. Aqui, e ao mesmo tempo em algum outro lugar para o qual não fui convidada.
— Ironicamente, a confusão sempre me acalma mais que a calmaria. É mais fácil para mim.
Enterro os dedos nas camadas de folhas úmidas sob mim. O som da água correndo metros abaixo de nós é tudo o que ouço por alguns instantes.
— Não deveria ser assim. Para nenhum de nós. — Suspiro, e minha respiração se condensa diante de meus olhos. — Você precisa ser muito ferrado para encontrar paz em algo tão caótico.
— Se fôssemos buquês de flores, não estaríamos aqui, para início de conversa. Caos acalma caos. É instantâneo. — Fierce pega uma folha vermelha, a girando entre o polegar e o indicador. — Jogue um coelho fofinho em uma fogueira e ele morrerá. Jogue um pedaço de brasa pegando fogo, e quase nada vai mudar. É mais fácil entender o caos quando você faz parte dele.
Caos acalma caos.
Não foi exatamente o que aconteceu comigo na arena, muito menos no vilarejo, ou na floresta com aquelas pessoas armadas até os dentes. Mas irei me lembrar disso.
— E se eu jogar um balde com água na fogueira?
— Então você apagaria o fogo, consequentemente resolvendo o problema. Mas não entenderia o que o causou. — Fierce dá de ombros, fazendo um biquinho ridículo.
Ele solta a folha carmesim, que é carregada por uma brisa até meu pé. Eu a chuto, mas a natureza-morta gruda na sola de minha bota, e desisto de tentar me desprender do singelo pedaço da floresta acobreada.
— Você gosta mesmo desse tipo de conversa, não? Com metáforas confusas e essas coisas. — A única resposta que recebo é um riso desconcertado de um Fierce quase adormecido. — Minha mãe provavelmente adoraria te conhecer.
— Nos apresente, então.
A frase faz minhas pálpebras tremerem por alguns instantes, mas não o culpo. Está bêbado demais para se lembrar, ou ao menos perceber o que saiu da própria boca.
Não sei o que havia dentro daquela garrafa na cidade, mas se Fierce ficou assim com apenas alguns goles, me pergunto o que teria acontecido comigo se eu tivesse bebido da taça de cristal.
— Vamos — digo, me levantando com cuidado. — Antes que Icca descubra que você andou gastando o dinheiro dela.
Fierce solta um grunhido conforme o puxo para cima pelo braço mole, praticamente o arrastando para fora da rocha escorregadia.
— Fiz isso nos últimos dias — sussurra ele. — Como acha que sobrevivi por aqui? Viemos para cá sem nada. Icca é praticamente nossa mãe enquanto estivermos longe de Rosetrum.
— Faz sentido. — É tudo o que consigo responder.
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Crimson Hauntings and Oath Shadows - CHAOS (Concluído)
FantasyPLÁGIO É CRIME (ART. 184 DO CÓDIGO PENAL). CRIE SUA PRÓPRIA HISTÓRIA UTILIZANDO SUA CRIATIVIDADE. caso saiba de qualquer cópia de trechos ou mesmo da minha história completa, por favor, me avise e denuncie! Portas secretas não levam a becos se...