Capítulo 26 - Camila (Parte I)

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Todos temos algo a esconder. Há sempre um lugar no passado cheio de dor. Há sempre uma mágoa causada em outrem ou em nós mesmos. Talvez exista, ainda, algo que nos envergonhe. Camila reunia em si todos estes desagradáveis aspectos.

Natural de Chiapas, Camila não tinha o menor orgulho de suas origens. Na verdade, odiava histórias de superação. Nativa de um dos estados mais pobres do México, ela e a família integravam a triste estatística de miséria do lugar. Passara a infância e adolescência ciente de que não tinha nada além da avó e do irmão mais velho. Deste último provinha o sustento da casa, ainda que ele estivesse, apenas, na idade de 18 anos. Castel tinha uma áurea misteriosa, era bastante calado e, curiosamente, vestia roupas caras. Depois de tornar-se mais velha, Camila entendeu as "peculiaridades" que o cercavam. A vizinhança, tão pobre quanto sua família, não tinha muito o que fazer além de costurar fofocas a respeito do rapaz. Até a avó sabia, menos Camila que só tomou conhecimento aos 16 anos completos, quando, em um instinto de curiosidade, resolveu seguir o irmão na noite em que ele fez aniversário. Anteriormente, ela presenciou uma discussão de Castel e a avó. Esta dizia coisas a respeito da profissão do neto, condenava as escolhas que ele fizera para a comemoração do próprio aniversário. Obviamente um estalo já havia se manifestado na mente de Camila, mas ela precisava ouvir da boca do irmão. Após a terrível briga que presenciara dele com a avó, percebeu que não era o melhor momento, mas sentiu-se impelida a questioná-lo.

- Castel! – Camila gritou da porta do casebre de madeira, aparando-se em uma das paredes de tábuas cheias de frestas. – Você vai mesmo sair e deixar a vovó assim?

- O que eu posso fazer? Peça para que ela se acalme. Não sou eu quem devo moldar-me de acordo com as vontades da vovó. Hoje é meu aniversário, Camila! – Castel voltou de onde estava, a alguns passos de distância da casa, para a porta, ao encontro da irmã.

- E você não pode ficar conosco? Talvez ela só queira que você fique aqui. É o segundo ano que você passa seu aniversário fora de casa.

- Irmã, você é nova demais para ter ambições ou para enxergar o quão infernal é nossa vida neste lugar, mas...

- Sou apenas dois anos mais nova que você. – Contrapôs Camila, interrompendo o irmão.

- E ainda assim tem a inocência vultosa demais para ver além das frestas de nossa casa. Existe um mundo lá fora, Camila, um mundo incandescente ao qual nós nunca acessaríamos se não fossem as escolhas que eu fiz. Você ainda não pode, mas este é o motivo de eu estar indo primeiro. Sofrerei por você tudo o que for necessário para que seu caminho seja menos tortuoso.

- Pare de falar em códigos, Castel! Eu sei o que você faz para nos sustentar, ouço os burburinhos todos os dias. Vejo o sofrimento da vovó. Irmão, existem outros trabalhos, você pode...

- Limpar banheiros? Ah, menos que isso: posso ser flanelinha no centro, o que você acha? Camila, nós nunca vamos ser nada além disso se um de nós não se sacrificar! A vovó dura no máximo mais três anos e você sabe disso, ela está doente. Você pode ser grande, minha irmã, mas eu preciso carregar você ao topo. Se tivéssemos nossa mãe conosco, talvez fosse ela a abrir os nossos caminhos, mas como não temos, alguém tem que ir à frente.

- Você não vai ficar rico sendo um prostituto, por mais luxuoso que esteja agora, ainda mora nesta casa caindo aos pedaços. – Contrariada e irritada, Camila disparou.

- Prostituto? Que palavra mais antiquada! – Riu-se, e, em seguida, segurou o ombro da irmã mais nova. – Eu fui um garoto de programa, mas não estou mais neste ramo. Descobri, e você vai ficar chocada, que homens acabam sendo muito mais generosos que mulheres quando precisam esconder o que são sem precisar fugir do desejo que sentem por outros rapazes.

Uma curva no destino (FINALIZADA)Onde histórias criam vida. Descubra agora