Capítulo 3

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Um mês depois...

Alex

— Vamos, Alex, você pode ir além.

Olho para a mulher lindíssima, que está concentrada no movimento que estou fazendo, e sinto vontade de ser grosseiro com ela novamente.

Sei que sua intenção é a melhor possível, mas não estou com ânimo para palavras de incentivo. Hoje eu só quero ser deixado em paz.

Ela suspira pesadamente, e solta a minha perna de forma delicada no colchão.

— Se quiser, podemos parar um pouco. — Vejo a irritação no seu semblante e sinto-me como uma criança birrenta.

— Vamos acabar logo com isso.

Ela me olha de forma intensa e, como acontece todas as vezes que isso acontece, sinto meu mundo girar vertiginosamente.

A beleza dela ainda me causa assombro. Um rosto perfeito. Uma determinação férrea.

— Eu sei que não é fácil. Sei que é doloroso até — diz me encarando —, mas não vai adiantar absolutamente nada se você não se empenhar. Ou você me dá o seu melhor, ou vou mandar outro profissional assumir seu caso. Duas semanas que você estagnou. Se decidiu jogar a toalha, me avise, ok? Preciso saber onde estou pisando.

Olho para ela irritado. Quem ela pensa que é?

— Sorte a sua, doutora.

— Não entendi.

— Sorte a sua ainda conseguir pisar em alguma coisa. Pelo visto, é a única aqui que vai continuar fazendo isso!

Ela cruza os braços sobre os seios fartos e desvio o olhar. Apesar de ser lindíssima, não gosto da forma como me trata. Com uma indiferença desconcertante. Todas as enfermeiras do hospital derretem-se em meio a sorrisos e gentilezas, mas ela não. Parece sempre estar em outro planeta quando não está me tocando, é claro. Porque, no momento que começa os malditos exercícios, sua concentração é tanta que fico irritado. Minhas pernas inúteis prendem sua atenção totalmente, ao contrário do resto de mim.

— Posso ser sincera? — indaga alguns minutos depois.

— Quando você não é, doutura?

Ela ergue uma sobrancelha.

— Ok, desculpe. — Faço um gesto com a mão para que ela prossiga. — Sou todo ouvidos.

— Acho que não conseguirá nenhum progresso se ficar aí se lamentando pelo que perdeu. Está apenas tomando seu tempo e o meu.

— Até onde sei, esse é o seu trabalho. ─ retruco grosseio

Ela me encara intensamente e, por alguma razão, sinto-me intimidado com seu olhar feroz. Isso me tira da minha zona de conforto, e a sensação de impotência que venho sentindo se alastra como um incêndio que não consigo conter.

A voz baixa esconde uma raiva mal contida quando ela diz:

— Acho que designarei outro profissional para atendê-lo, Alex. Para obtermos sucesso, é imprescindível que estejamos jogando no mesmo time, e não como adversários. Sim, esse é o meu trabalho, mas detesto a sensação de estar perdendo tempo. E é exatamente assim que tenho me sentido. E não é porque você é um caso perdido. É porque você é um homem mimado. Não sou pediatra para ter que lidar com bebês reclamões, sou fisioterapeuta e costumo trabalhar com adultos que querem sair da cama tanto quanto eu quero que eles saiam.

O discurso em voz contida e baixa me causa mais danos do que se as palavras tivessem sido gritadas aos quatro cantos. Então me envergonho das minhas atitudes dos últimos dias com essa mulher, que só tem sido gentil enquanto eu tenho agido de forma birrenta e imatura. Mas eu sei o que me levou a isso. Sinto-me fragilizado diante da força que ela emana. É como se sua simples presença reafirmasse que agora sou um meio homem.

— Então, como vai ser?

— Não posso prometer o que não posso dar, doutora. Eu não consigo me sentir esperançoso ou empenhado simplesmente porque, a cada sessão, eu me sinto mais e mais incapaz. Será que consegue imaginar como é perder algo que é vital para você? Algo que fazia seu coração disparar e te inundava da sensação de liberdade? Olha pra mim? Eu preciso de ajuda até mesmo para mijar!

Ela continua me encarando firme. Não vejo piedade em seu olhar, nem mesmo comiseração. Eu só vejo uma determinação irrefreável. Ela não permitirá que eu jogue a toalha. Não antes de sabermos minha real situação.

— Sim, eu sei.

Olho confuso para ela, que inspira fundo e explica:

— Eu sei como é perder a esperança. Não da forma como você perdeu. Mas eu entendo quando diz o quanto é duro não conseguir mudar as coisas. Não ter o poder de alterar os acontecimentos.

É nítido que ela não está falando das minhas limitações ou do acidente que sofri. Não pela primeira vez, desde que a conheci, me pergunto como uma mulher como essa pode ser solteira. Sim, eu sondei. Não porque estivesse interessado, definitivamente não estou. Ok, talvez se não fosse a porra de um incapaz, eu já teria tentado arrastá-la para a minha cama. Helena não é uma dessas mulheres que um cara saudável não sinta vontade de cair em cima dela. Literalmente, óbvio. Ela é gostosa do fio do cabelo ao dedo do pé.

Irritado com o rumo dos meus pensamentos, me distraio do seu comentário.

Ela suspira e eu sei que está irritada novamente. Que se foda! Não posso fingir que estou bem quando na verdade estou um lixo. Sentindo-me um lixo.

— Terminamos por hoje. — Ela tira suas luvas de látex e se afasta. Antes de sair do meu quarto, me olha e diz: — Vou falar com o Benito sobre seu caso. Talvez seja melhor você tentar com outro fisioterapeuta. Acho que as coisas não estão fluindo bem entre nós, afinal.

Sinto um misto de raiva e vergonha me perpassar e minha voz sai mais grosseira do que gostaria quando respondo:

— Não podia esperar algo diferente de você, doutora. — Encaro-a. — Alguém como você não deve perder seu precioso tempo com inválidos mimados como eu.

— Como é que é? — Sua voz é apenas um silvo irritado.

Sustento seu olhar e repito:

— Isso que mesmo que você ouviu. Deve estar acostumada a ter seus pacientes caindo aos seus pés, implorando por um mísero sorriso — ergo uma sobrancelha e me supero na babaquice, quando concluo — ou correndo e rastejando atrás da digníssima doutora. Como pode ver, comigo não vai rolar nada disso.

Ela estreita os olhos. Me encara e diz com um sorriso de puro escárnio:

— Por hoje, chega. Até mais, menino Alex.

E saiu silenciosamente do quarto.

Fecho meus olhos com força. Que porra foi isso? O que deu em mim? Jamais fui grosseiro com uma mulher. Puxo o ar com força para me acalmar. Eu sei exatamente o que está acontecendo comigo. Sinto tesão pela Helena. Um puta tesão, e o fato de saber que ela é totalmente inacessível me deixa com raiva. Com raiva por saber que, se eu a tivesse conhecido em qualquer outra circunstância, eu já teria conseguido arrancar dela um sorriso ou, quem sabe, um beijo.

Quando seus dedos me tocam durante os exercícios, eu me esforço como alguém faminto para sentir seu toque. Daria qualquer coisa para conseguir sentir a textura da ponta dos seus dedos tocando a minha pele. Seu toque reforça e potencializa minha incapacidade e isso tem me enlouquecido despertando algo que nunca imaginei sentir por ninguém: desejo e aversão. Tudo na mesma medida. Com a mesmo força.

A quem eu quero enganar?

Sinto tesão. Aversão era o que desejaria sentir. Sou a porra de um inválido patético, isso sim.


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