AO meu ver,o outono é uma estação de expectativas.Eu olho pelo vidro da janela,turvo devido as gotas de orvalho nascentes da madrugada,Daniel - meu marido - se mexe rápido entre minhas pernas,ele quer chegar ao seu lugar,lugar que sempre chega todas as manhãs.
Deve ser um bom lugar,porque são raras as vezes em que sua expressão ganha cor.Sinto o algodão do travesseiro afundar minha bochecha e viro o rosto,não é como a repulsa que algumas Novas Mães sentem ou a avidez exagerada das outras,eu apenas não sinto nada.
Outono é a minha estação favorita, então meu coração egoísta acaba acreditando que as coisas serão do meu agrado alguma vez, se um dia chegarei ao lugar que meu marido chega mergulhada em feições relaxadas,ser tratada magicamente com mais gentileza pelo grupo doméstico de mulheres.
Eu sei que a culpa é minha por engravidar de uma menina,a primeira mulher da vila a conceber uma em dez anos,dizem as Madas que isso traz azar .
Como posso pensar em azar quando mentalizo o rostinho redondo e olhos espertos da pequena Astra? Impossível,mas eu jamais questionaria os preceitos de uma Mada, então fico calada.
Daniel finalmente termina e tomba o corpo para o lado,voltando a dormir. Dou um beijo suave em sua testa e aliso os cabelos castanhos,esse homem dorme feito um urso hibernado.
Não me dou o trabalho de colocar o corpete e trançar os cabelos para preparar o café da manhã e em seguida o almoço,Daniel gosta dos meus cabelos presos,mas prefiro ser prática e me arrumar uma hora antes que ele acorde.
Depois de um tempo na cozinha,Astra me faz companhia,os cabelos crespos parecem um furacão e ela tem remela nos olhos. É a filha mais bela que os céus poderiam me dar.
- O que está fazendo mamãe? - Astra levanta os calcanhares para fitar as panelas.
Bato nela com um pano de prato.
- O café primeiro,ursa faminta.
- Este apelido não me ofende sabia? Ursos são bichinhos lindos e fofos. - minha filha se debruça na mesa,pegando um pote de biscoitos de leite - eu queria ser uma ursa.
- Bom, se você fosse um caçador,ursos não pareceriam tão lindos e fofos.
- Ah mamãe,você é realista demais.
Sorrio mesmo de costas para Ast,Daniel diz essa frase com frequência, "você é realista demais Ana" nossa filha pegou a mania como consequência.
Espio a janela rapidamente,folhas alaranjadas caem em câmera lenta no quintal.
Ser realista é uma proteção,dizem os Reverendos,o realismo divino nos afasta de sonhos e desejos vãos.
- Posso levar maçãs hoje? - Ast interrompe meus pensamentos.
- Ah,claro querida,coma assim que chegar lá ou no caminho, você sempre deixa estragar.
- Desculpa,eu me esqueço.
Observo-a de esguelha colocando duas fatias de pão com queijo e geleia dentro da pequena mochila,o leite ainda quente balança na sua pequena garrafa de vidro, diretamente da Joana,a vaca favorita de Ast,minha filha não deixa ninguém tirar leite daquele bicho a não ser ela.
Depois de preparar o lanche,nós duas ficamos jogando conversa fora enquanto Ast toma café, meu marido já me repreendeu por tomar café junto da Ast sem ele,alegou que estávamos desperdiçando tempo.
Obedeci,mas a frustração da minha menina amoleceu minha disciplina, então sempre dou um jeito de conversarmos enquanto eu faço as coisas na cozinha.
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Ivy
RomanceDepois das montanhas e da floresta esquecida,a pacata e religiosa vila dos Prudentes atravessa um outono marcado pela guerra. Apesar do conflito territorial que acontece nas fronteiras,uma jovem mulher de reputação controversa está de mudança para...