18 🍁 Açúcar

42 6 8
                                    


QUANDO volto para casa,Astra está de pernas cruzadas no tapete da cozinha com um livro sob seu colo,ela questiona o meu sorriso – o que aconteceu de bom?

Penso no nascimento,na travessia pacífica dos temidos caras-de-noite,mas o que aconteceu de extraordinário está pulsando entre mim e as estrelas,entre mim e as mulheres severas de Prudente ,entre eu mesma dentro de uma pele – não estou completamente sozinha,ainda existem os milagres que chamo de identificação.

– A senhora Hondara deu a luz a uma menina! – digo por fim.

Ast abre um sorriso largo.

– Sério mesmo? Uma menina igual a mim! 

Há poucas meninas em Prudente,boatos obscuros rodeiam esse fato,mas nenhuma das mulheres ousa falar sobre,em acordo,os Reverendos mantém o silêncio acerca das ocorrências. 
Diante do desfalque,minha filha  experimenta uma solidão precoce: não se encaixa com as dispersas meninas que aqui habitam e os meninos a excluem das brincadeiras - quando conseguem vencer sua teimosia.  

Deixo as botas do lado de fora e fecho a porta,ando até ela e beijo-lhe na bochecha.

– Você era um bebê tão bonitinho... – digo,fazendo cócegas em sua barriga. - tinha o maior barrigão de leite.

Ast solta uma gargalhada capaz de iluminar um recinto,é quando Mada Vera surge na entrada da cozinha,com os cabelos curtos ligeiramente desgrenhados e os olhos vermelhos de sono.
Ela parecia estar dormindo, já que pisca devagar para nós,Ast reprime uma risada,eu a repreendo,contendo também minha vontade rir.

– Pare de profanar a Mada! – sussurro para menina enquanto me levanto do tapete.

– Desculpa,desculpa. – ela assente, seu nariz faz um som de riso estrangulado.

Aproximo-me da Mada e abro um sorriso educado.

– Muito obrigada por ter cuidado de Astra,estou em dívida com a senhora.

Mada Vera parece finalmente despertar e olhar ávida para mim,ela esfrega as pálpebras,ajeita a postura e os fios de cabelo. É uma visão cômica,mas tenho o autocontrole de não sorrir demais e revelar uma risada.

– Ah,bom..a menina não quis dormir por nada,eu certamente li uma história de ninar para discipliná-la mas… – ela pigarreia – ..a carne é de fato fraca e...como Mada tenho muitas responsabilidades que me deixam cansada,então deve considerar uma honra que eu tenha..

– ..cochilado na cama de Ast? – arrisco,de forma nada responsável. 

– Ah que falta de decoro...

– Não Mada, eu entendo,entendo perfeitamente,muito obrigada de novo.

Abaixo a cabeça reprimindo os lábios,Mada Vera ergue o queixo para esconder o auto constrangimento e assente para mim,nos dando as costas até abrir a porta. 

– Boa noite,que o Criador as abençoe.

Assinto e repito o cumprimento,quando Mada Vera finalmente deixa nosso quintal e cercas,Astra liberta as gargalhadas reprimidas e mesmo corrigindo-a,os risos também me escapam.

– Mamãe ela estava roncando..

– Ast! 

– Mas é verdade!

Ela escandaliza o riso,e tal visão invade meu coração de amor,estou terrivelmente feliz porque magoar-me é doloroso,mas ver minha menina magoada é três vezes mais perverso.

– Mada Vera disse uma coisa certa,você deveria estar na cama.

– Não queria dormir antes da senhora chegar..fiquei com medo.

IvyOnde histórias criam vida. Descubra agora