QUANDO volto para casa,Astra está de pernas cruzadas no tapete da cozinha com um livro sob seu colo,ela questiona o meu sorriso – o que aconteceu de bom?Penso no nascimento,na travessia pacífica dos temidos caras-de-noite,mas o que aconteceu de extraordinário está pulsando entre mim e as estrelas,entre mim e as mulheres severas de Prudente ,entre eu mesma dentro de uma pele – não estou completamente sozinha,ainda existem os milagres que chamo de identificação.
– A senhora Hondara deu a luz a uma menina! – digo por fim.
Ast abre um sorriso largo.
– Sério mesmo? Uma menina igual a mim!
Há poucas meninas em Prudente,boatos obscuros rodeiam esse fato,mas nenhuma das mulheres ousa falar sobre,em acordo,os Reverendos mantém o silêncio acerca das ocorrências.
Diante do desfalque,minha filha experimenta uma solidão precoce: não se encaixa com as dispersas meninas que aqui habitam e os meninos a excluem das brincadeiras - quando conseguem vencer sua teimosia.Deixo as botas do lado de fora e fecho a porta,ando até ela e beijo-lhe na bochecha.
– Você era um bebê tão bonitinho... – digo,fazendo cócegas em sua barriga. - tinha o maior barrigão de leite.
Ast solta uma gargalhada capaz de iluminar um recinto,é quando Mada Vera surge na entrada da cozinha,com os cabelos curtos ligeiramente desgrenhados e os olhos vermelhos de sono.
Ela parecia estar dormindo, já que pisca devagar para nós,Ast reprime uma risada,eu a repreendo,contendo também minha vontade rir.– Pare de profanar a Mada! – sussurro para menina enquanto me levanto do tapete.
– Desculpa,desculpa. – ela assente, seu nariz faz um som de riso estrangulado.
Aproximo-me da Mada e abro um sorriso educado.
– Muito obrigada por ter cuidado de Astra,estou em dívida com a senhora.
Mada Vera parece finalmente despertar e olhar ávida para mim,ela esfrega as pálpebras,ajeita a postura e os fios de cabelo. É uma visão cômica,mas tenho o autocontrole de não sorrir demais e revelar uma risada.
– Ah,bom..a menina não quis dormir por nada,eu certamente li uma história de ninar para discipliná-la mas… – ela pigarreia – ..a carne é de fato fraca e...como Mada tenho muitas responsabilidades que me deixam cansada,então deve considerar uma honra que eu tenha..
– ..cochilado na cama de Ast? – arrisco,de forma nada responsável.
– Ah que falta de decoro...
– Não Mada, eu entendo,entendo perfeitamente,muito obrigada de novo.
Abaixo a cabeça reprimindo os lábios,Mada Vera ergue o queixo para esconder o auto constrangimento e assente para mim,nos dando as costas até abrir a porta.
– Boa noite,que o Criador as abençoe.
Assinto e repito o cumprimento,quando Mada Vera finalmente deixa nosso quintal e cercas,Astra liberta as gargalhadas reprimidas e mesmo corrigindo-a,os risos também me escapam.
– Mamãe ela estava roncando..
– Ast!
– Mas é verdade!
Ela escandaliza o riso,e tal visão invade meu coração de amor,estou terrivelmente feliz porque magoar-me é doloroso,mas ver minha menina magoada é três vezes mais perverso.
– Mada Vera disse uma coisa certa,você deveria estar na cama.
– Não queria dormir antes da senhora chegar..fiquei com medo.
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Ivy
RomanceDepois das montanhas e da floresta esquecida,a pacata e religiosa vila dos Prudentes atravessa um outono marcado pela guerra. Apesar do conflito territorial que acontece nas fronteiras,uma jovem mulher de reputação controversa está de mudança para...