– QUERIDA,precisamos conversar.Ast ignora o apelo,ela está de costas para mim,arrumando sua gaveta de meias,apoio o ombro na entrada de seu quarto,saudosa e envergonhada.
Suspiro,não é culpa dela possuir esta mágoa agarrada,meu marido e eu somos um poço delas e guardamos rancores com facilidade.
Mas o tamanho da sua raiva,mesmo que juvenil,é proporcional as represálias ditas a ela.É difícil ficar de pé diante do pesar no coração,Ast era a única pessoa a quem eu tinha certeza que jamais magoaria,mas aqui estou.
O medo me conduz a estados de espírito irreconhecíveis,a cegueira me acomete,assimilo a rigidez dos líderes para acreditar em suas palavras com devido fervor,eu rebaixo Ivy Island para me sentir menos defeituosa,parto o coração de uma filha,dizendo-a que é a culpada pela minha desgraça.
Há momentos em que sou tão recortada ao critério dos outros que não me reconheço.
Luto contra o choro para não desabar.
– Ast..por favor,fale comigo.
– Estou muito chateada,e se eu falar com a senhora acho que vou ser mal criada, e não quero ser mal criada com a minha mãe.
Dou um passo hesitante para frente,os ombrinhos estreitos de Astra me dão vontade de abraça-la,de agarrá-la nos meus braços e pedir um milhão de desculpas,fazer um milhão de vezes suas maiores vontades.
– Pode ser mal criada,o que eu disse a você merece mal criação. Mas se não quiser falar..ao menos me escute.
Ela vira o rosto devagar, à espreita de uma advertência,fito os olhos redondos e o contraste do nariz grande para o rosto pequeno. Ponho um joelho no tapete e o outro dobrado,feito um cavaleiro pedindo uma dama em casamento,Ast se aproxima, acompanhada de sobrancelhas adoravelmente carrancudas.
– Vou escutar.. – ela murmura e deixa que eu toque em seu ombro.
– Me perdoe por dizer tudo aquilo,você não é obrigada a entender tão rapidamente como as coisas funcionam – suspiro – você não tem culpa nenhuma de como as coisas funcionam.
– Então por que disse que eu tinha?
– Foram o medo e a raiva agindo,mas isso não é desculpa,eu estava errada Ast.
– Mas você nunca está errada.
– Fico lisonjeada,mas não é verdade – solto um riso triste – cometo muitos erros,e os meus acertos, na melhor das hipóteses,são dos mais desajeitados.
– O que é um acerto desajeitado? – Ast franze o cenho.
– Bom é..sabe quando você insiste em jogar bola com os meninos e chuta a bola para o gol,mas mesmo tendo feito o gol escorrega na lama e cai?
Ast solta um riso espontâneo.
– Eu sei! Eu sei! Acontece muito comigo,ainda mais quando me empurram.
– Então,é exatamente isso.
– Mas você colocaria um menino no meu lugar né? Se o Criador te ajudasse?
– Não! Não! Jamais! – aperto os dedos nos ombros dela,para logo em seguida abraça-la com força – eu disse aquelas coisas da forma mais estúpida e desprezível,você é o meu maior presente,a alegria da minha vida – ponho seu rosto entre as mãos – você é a minha estação favorita,aquela que jamais passa.
Arranco um sorriso de Ast – o sorriso mais belo do mundo.
– Mesmo sendo menina?
– Para mim este fator não importa – sorrio,sentindo a liberdade fluir através das sílabas – Você é valiosa,tão relevante e útil quanto um menino.
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Ivy
RomanceDepois das montanhas e da floresta esquecida,a pacata e religiosa vila dos Prudentes atravessa um outono marcado pela guerra. Apesar do conflito territorial que acontece nas fronteiras,uma jovem mulher de reputação controversa está de mudança para...