QUANDO volto para casa,Daniel está apoiado na mesa da cozinha,lendo um manual de instruções para ferreiros.Ao ouvir a porta ranger,ele fisga meus olhos com hostilidade.
- Tive que buscar Astra na escola doméstica - diz entre dentes - onde você estava?
Engulo a seco, tentando formular uma explicação coerente, o que digo agora?
- E-eu..fui buscar frutinhas silvestres para a sobremesa, mas não encontrei nenhuma em boas condições,peço perdão se me esqueci da hora.
Daniel solta um bufo discreto e dá de ombros,Astra surge do corredor,correndo até minha cintura para envolvê-la.
- Olá querida,como foi seu dia?
- Divertido,papai foi me buscar na aula não foi papai?
- Sim,sim - ele meneia a cabeça - Ana me acorde quando o jantar estiver pronto.
Daniel sempre diz algo nas entrelinhas,desta vez é um aviso implícito de que preciso fazer a comida rapidamente. Houveram raras ocasiões em que não temperei uma caça o suficiente ou queimei a receita por descuido,mas até em casos isolados pude sentir uma avaliação severa nos olhos dele.
Daniel nunca falou mal da minha comida, pelo contrário, mas deslizes não são encarados com razoabilidade.
O que é muito curioso,porque ele deslizou o mais longe que pode e eu não pude fazer nenhuma tempestade.
- Não vai agora não papai - minha filha ergue a voz - conta pra mamãe como foi me bus..
- Astra - Daniel a interrompe - estou cansado.
- Mas o senhor..
- Astra,eu já disse que não.
A dureza das palavras finalmente cala a insistência dela, que se encolhe e abaixa a cabeça.
- Desculpe.
Meu marido dá as costas para a cozinha e pisa rápido até o quarto,vejo que Ast está decepcionada,então puxo-a para mim e lhe dou pequenas tarefas.
- Conte tudo para mim - digo,sorrindo porque ela também abre um sorriso.
Astra se debruça na mesa enquanto corta as cenouras,falando sem parar e com entusiasmo, às vezes desconfio se ela é mesmo um fruto das partes minhas e do marido que tenho,Astra não é dura como nós,é flexível,cheia de ideias maiores que sua estatura.
Olho de relance para as canecas no apoio da janela,brancas e estéreis, penso nos desenhos desleixados de Ivy Island e um sorriso involuntário toma meu rosto, seguido por um suspiro dolorido.
Minha filha termina suas tarefas e vai brincar no quintal,observo enquanto ela conversa com Joana,a vaca,depois pega gravetos e faz uma tenda,o que não dá certo e me arranca risadas.
A casa de Ivy Island vem à tona novamente, foi bom colocar um pouco das minhas indignações para fora, mas a intriga inicial que eu tinha por sua pessoa apenas aumentou,transformando a curiosidade em pensamentos constantes sobre a tarde de hoje.
As flores por toda a casa, os cabelos desgrenhados e os ávidos olhos dourados tentando descobrir quem eu era.
Reconheço que é um evento recente, mas já fiz o sugerido por Mada Vera,tudo está resolvido e acabado,Ivy Island nunca mais chegará perto de Daniel e a família está protegida contra tais influências.
É difícil porque continuo massivamente indignada com a indiferença do meu marido, sua calmaria cotidiana mesmo tendo criado trovões dentro da própria casa. O que ele espera de mim? O que deve ser esperado de mim?
VOCÊ ESTÁ LENDO
Ivy
RomanceDepois das montanhas e da floresta esquecida,a pacata e religiosa vila dos Prudentes atravessa um outono marcado pela guerra. Apesar do conflito territorial que acontece nas fronteiras,uma jovem mulher de reputação controversa está de mudança para...