Ivy

24 🍁 Bela cor

O DIA é gradativo ao amanhecer,mas  espanto-me ao entender que Ivy Island me condenou a um vício: fui absorta por um livro durante a madrugada e não suportei a ideia de parar de lê-lo até as páginas finais. 

Há cinco livros escondidos em cantos distintos da casa,emprestados por ela duas semanas atrás,Island proferiu orientações sobre esconde-los bem e agir com cautela,pois não suportaria a possibilidade de que eu fosse punida. Quando parti de sua casa com os livros na parte funda da cesta,Ivy ainda se encontrava extremamente nervosa.

– Procure escondê-los em lugares que não são óbvios e de preferência os leia durante a noite e..

– Ivy,acalma-se – soltei um riso baixo – sou filha de um cara-de-noite em uma vila de crentes, se há algo que conheço é a prevenção.

– É verdade,eu sei..mas temo por você, principalmente sua imagem,que já sofre represálias..

Subi as botas por um degrau,para igualar nossos olhos,os dedos firmes pousados em seu ombro tenso.

– Está tudo bem,tomarei cuidado,não esqueça que estou escolhendo este risco. 

– Sim e de maneira completamente irrefletida.  

Uma risada escapou da minha garganta.

– Você deveria ser mais ousada Island. - respondi, sarcástica.

Ivy cruzou os braços e uniu as sobrancelhas cheias,fitando-me com o prelúdio de um sorriso.

– É mesmo Ana? Deveria? - revidou - suponho que agora eu seja pacata demais para uma alma tão subversiva quanto a sua. 

– A senhorita não faz ideia - sorri de canto - se trata de um nível de rebeldia absurdo o suficiente para que me levante às seis da manhã ao invés de cinco da madrugada durante a semana.

Island ergueu as mãos em rendição e balançou a cabeça,movendo os fios ruivos graciosamente.

– Nunca serei párea diante de tamanha transgressão. 

Gargalhei ao fitar seu semblante de falsa agonia, finalmente descendo os degraus. Precisava ir embora,decerto estava atrasada para os meus afazeres,mas a casa de Ivy Island exerce um sentimento mítico de conforto,ao qual sempre preciso resistir quando estou partindo.

– Até breve Ivy – sorri – não esqueça das compras de sexta. 

Ela desceu os três degraus e pisou nas folhas secas,como se quisesse puxar minha presença de volta. 

– Eu nunca me esqueço,até breve Ana.

Acenei antes de lhe dar as costas,Ivy estava certa,ela jamais se atrasa ou deixa de cumprir nosso acordo de compras,arrisco dizer que ela é a mais pontual de nós duas.

O barulho dos pássaros transpassa a janela do quarto,estou afundada no colchão com as páginas abertas e apoiadas na barriga, atordoada pelo final do romance,pelos personagens vívidos e muitas vezes pecadores. É natural que eu conheça certas estruturas pelas histórias que leio para Astra,mas estes romances são diferentes. 

Passei a noite acordada,mas não sinto o cansaço,ao longo dos dias devorei e logo depois reli os dois romances,os dois livros de poesia e um livro que Ivy me informou se tratar de não ficção,a respeito do estudo científico das cores para leigos,científico e ciência foram duas novas palavras que aprendi. 

Espero pela próxima sexta feira, anseio por mais livros,sinto falta de Ivy Island. 

Deixo a cama presa a um suspiro,levo alguns minutos para trançar os cachos e ajustar o corpete maior e confortável, haverá feira esta manhã,os agricultores me disseram ontem no sermão da capela que a colheita foi boa e as frutas importadas estariam mais frescas,a estação de fato é uma contribuidora.