AS PALAVRAS, quando estão ao lado de Ivy Island,são um exercício de movimento,nós nunca estamos inertes,as vozes se alteram,com as mãos apressamos as ideias e as risadas transbordam generosas.
Depois da introspecção no tapete,fomos para a cozinha,enquanto ela prepara o café,meus cotovelos estão apoiados na bancada e minha curiosidade investida no livro de capa azul que retirei da varanda
– Sobre o que é este livro? – deslizo os dedos pelo título. Poemas Selecionados de Emily Dickinson.
– Ah,são poemas maravilhosos Ana! Mas meu elogio é suspeito,sou apaixonada por Emily Dickinson.
Ergo as sobrancelhas,passeando os olhos pelo nome da autora.
– É uma…mulher.
Island entende rápido o meu espanto.
– Nas cidades litorais tanto escritoras antigas quanto novas podem ser publicadas e lidas – ela explica – não é perfeito,ainda há fortes estigmas sobre livros femininos,mas não são proibidos co..
– ..como em vilas – a interrompo, perplexa – eu..não fazia a menor ideia que existiam livros que não fossem livros-instrução,a não ser as fábulas autorizadas que leio para Astra e as escrituras sagradas…isso não..não era nem ao menos uma possibilidade.
Ivy leva a água quente para o coador e deixa a fumaça suave e o cheiro do café – tão delicioso e único – invadir minhas narinas,estou zonza ao reconhecer um simples cheiro,por descobrir que há mais palavras do que me foram ensinadas.
Island se aproxima da bancada e delicadamente pressiona nossas mãos.
– Tudo bem? Você está pálida.
– E-eu..me desculpe, são muitas informações ao mesmo tempo..
– Não peça desculpas.. – ela roça os dedos nos meus – sei que é estranho e diferente,por isso não falei sobre o livro de início…tive receio que o julgaria uma blasfêmia.
– Sim,é diferente e talvez seja uma blasfêmia,mas eu..– experimento um sorriso e o borbulhar no estômago – …estou absurdamente curiosa.
Ivy sorri com os dentes à mostra,seus olhos me enlaçam cativos à uma satisfação.
– É bom vê-la curiosa.
Solto um riso repleto de nervosismo.
– É provável que tamanha curiosidade vá me arruinar.
Island desliza rapidamente até o bule de metal e o fecha,ela olha para mim por cima do ombro,confiante e bela.
– Não vai arruiná-la Ana,vai deixá-la mais viva.
– Como você conhece tais livros? – pergunto – se nasceu em uma vila como eu?
Por que é tão questionadora e afiada,se fomos constituídas pelas mesmas ordens? Reflito,mas não o digo.
– Devo este conhecimento a minha mãe – Ivy contém um suspiro – tínhamos uma pequena biblioteca em casa,durante toda a infância e adolescência fui incentivada a ler.
- Como nenhum Reverendo ou Mada não confiscaram os livros?
Island atravessa a sala enquanto carrega o bule até a mesa de centro. Pego duas xícaras e o vidro com o açúcar.
– Lembra quando eu disse que vivíamos à margem?
– Sim,uma situação parecida com a minha, certo?
Ivy aperta as mãos no tecido de sua saia e não cruza nossos olhos,prestando uma atenção excessiva a despejar o café nas xícaras e adoça-las.
– Perdão,você prefere pouco açúcar?
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Ivy
RomanceDepois das montanhas e da floresta esquecida,a pacata e religiosa vila dos Prudentes atravessa um outono marcado pela guerra. Apesar do conflito territorial que acontece nas fronteiras,uma jovem mulher de reputação controversa está de mudança para...