9 🍁 Redemoinho

75 7 0
                                    


PRIMEIRO,devo deixar tortas para as minhas vizinhas,segundo,acender velas e fazer orações de piedade por três meses,depois passar um longo tempo sem puxar conversas com ninguém,andar nas ruas de cabeça baixa.
São os métodos mais práticos e simples para conseguir o perdão das esposas e Madas, mas não devo ser otimista,o caso mais rápido de retorno às reuniões foi com Lídia Fernandez - cerca de quatro meses.
Ela foi flagrada dormindo durante a leitura das escrituras,o que fiz é de longe muito pior.

Suspiro,a floresta está em polvorosa,nenhum animal se importa com a minha presença na trilha de volta para casa, o silêncio que eu tanto almejava foi tirado de mim,esta natureza já me reconhece.

Esperar pelo perdão,é a única coisa a se fazer,um perdão que no fundo não é desejado,mas sim necessário.
A desobediência afeta uma pessoa em níveis ridiculamente cotidianos: os filhos das mulheres tratarão Astra com maldade, lojas e mercearias que costumo comprar vão me tratar com desdém e não serei comunicada dos eventos e reuniões importantes da vila, ficarei a deriva,uma excluída temporária a mercê de um grupo extenso de pessoas, decidindo se sou ou não aceitável depois de um tempo.

Céus,vou precisar de muitos ovos e farinha.

No que eu estava pensando? Por que penso tanto? Por que meu coração parece chacoalhar a todo instante,procurando uma forma de correr deste corpo?
E a raiva,que é maior do que o pensamento,maior que o coração,para onde ela vai além da pele?

Paro de andar,largo a cesta no chão e apoio as mãos nos joelhos,minha respiração é curta, agitada,o corpete machuca os ossos das costas, não me deixa completar o fôlego, sinto os olhos embaçados, talvez seja o suor escorrendo,talvez sejam lágrimas.

Não sei o que fazer.

O que é pior,ceder as palavras dos outros ou estar perdida?

- Senhora Fraser? A senhora está bem?

Aperto os dedos nos joelhos,sei de quem é essa voz.

Não quero levantar os olhos,a vergonha já queima a garganta o suficiente.

- Ah me desculpe..não quis ser intrometida.

- O que?

Levanto a cabeça e fito seu rosto,é como da primeira vez em que a vi, mas o susto é triturado pelo meu mal estar.

- Creio que estou perturbando a senhora com esse tipo de perguntas..mas você foi a minha casa e nós conversamos sobre..

Ergo as costas e cruzo os braços,tento parecer mais composta,mas Ivy Island já viu tudo,as pequenas ruínas cedendo entre meu pânico e idiotice.

- Sim,eu lembro. - a interrompo,prestando mais atenção na sua imagem.

O cabelo ruivo está preso em um coque,mas o coque se desfaz aos poucos,deixando fios soltos emoldurarem seu rosto corado,encaixada na orelha direita,há uma flor minúscula e lilás,que se destaca apesar do tamanho.

- Você não parece bem senhora Fraser.

Engulo a seco,sentindo a ponta de seus sapatos quase encostar nos meus, ela se agacha,o vestido azul de ramos amarelos estufando o tecido no chão, Island pega a minha cesta jogada entre as folhagens e a devolve para mim,o toque dos nossos dedos me faz dar um passo para trás.

Ela solta um riso surpreso,que atravessa os cascos das árvores e os meus ossos.

- Está com medo de mim? Pode acreditar que não sou uma bruxa.

- Isso é exatamente o que uma bruxa diria.

Ivy Island balança a cabeça,me fitando com seu olhar astuto,algo sempre escondido no canto do sorriso torto.

IvyOnde histórias criam vida. Descubra agora